sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Capítulo 35- Divórcio

Caminhamos por um bom tempo, em silêncio fora os pequenos comentários dirigidos à Marina. Eu senti, o caminho todo, uma tensão enorme, principalmente porque o sol começava a sumir no horizonte. Estávamos desarmados, carregando uma criança no colo e tentando protegê-la de tudo que estava acontecendo à sua volta, fosse um zumbi, fosse um acidente de carro, fosse um mero cadáver. Mero cadáver. Eu estava começando a me acostumar com o sangue. Com a violência. Com o cheiro. Com a pressão. Com essa parte toda. Que merda. Isso é horrível, horrível mesmo. Você olhar pra alguém que morreu, provavelmente de uma maneira terrível, e não sentir nada. Talvez a Vany estivesse com razão... Talvez eu estivesse ficando frio mesmo. Mas isso era essencial para a nossa sobrevivência. Não dá pra sobreviver sendo emotivo. Não dá pra demonstrar compaixão por todos. A Vany claramente não pensava assim. Ela virava o rosto e tentava segurar o choro, toda a vez que passávamos por uma cena dessas. Eu nem sentia mais vontade de chorar. Eu lembrei de quando deixamos o soldado pra morrer na rua atrás de casa, de como nos sentimos mal. E pensei sobre o quanto tínhamos mudado. O quanto tudo tinha mudado. Mal fazia uma semana que a invasão tinha começado. Que nossas vidas se transformaram pra sempre. E nós estávamos tão absortos nisso que nem percebemos a mudança. Nem paramos pra pensar nas coisas que estavam acontecendo.

***

Não dissemos muita coisa enquanto chegávamos no lugar. Não dissemos muita coisa enquanto barricávamos o portão. Não dissemos muita coisa enquanto preparávamos o lanche e nem dissemos muita coisa enquanto nos sentávamos para dar de comer para a Marina. Não falamos muito, em geral, e o silêncio entre nós só contribuia para me deixar mais estressado. Isso só foi quebrado quando colocamos ela para dormir. O lugar era uma casa grande, com muros altos o suficiente para barrar os zumbis, mas baixos o suficiente para escalar. Usamos o tapete de entrada de uma das outras casas para passar pelo arame farpado, jogando-o por cima dele. A porta tinha sido deixada aberta. O maior perigo era a grande porta da garagem, um portão automático metálico, pintado de verde, porém não parecia resistente o suficiente para conter dezenas de zumbis famintos. Assim, barricamos o portão. Mas, enfim, o que eu queria dizer é que era uma casa grande, o que deu direito a um quarto só para Marina. Nós dormiríamos no quarto do casal. Deitamos Marina na cama, e ela, agitada, não conseguia dormir. Tentamos acalmá-la de várias maneiras, até que ela nos disse:
-Quero uma história.
"História?" Eu pensei "Temos que dormir logo, para estarmos descansados amanhã."
-Olha, Marina, eu não sei... Eu não conheço nenhuma história.
A Vany me interrompeu, dizendo:
-Então deixa que eu conto.
Eu engoli em seco e disse, tentando aliviar a tensão:
-Vou fazer a vigia.
Levantei e fui em direção à porta. Parei quando ouvi a Vany dizer:
-Depois eu falo com você.
Eu saí do quarto, sem poder deixar de notar o quanto a Vany parecia minha mãe quando falava assim. Preocupado, fui para o segundo andar da casa, onde um par de binóculos me aguardava para a vigia. Enquanto acompanhava o movimento débil de ocasionais zumbis sem muito interesse, comecei a me preocupar mais e mais com o jeito que a Vany falou que precisava falar comigo. "Depois eu falo com você." Boa coisa não podia ser.
Pouco tempo depois, ouvi uma batida na porta que levava às escadas. A porta se abriu e a Vany me chamou enquanto eu tirava o binóculo do pescoço. No quarto, que ficava longe do quarto da criança (do outro lado do corredor), ela disse:
-O que está acontecendo com você?
Eu, meio que por reflexo, disse:
-Como assim?
Ela respondeu:
-Esse não é o Hugo que eu conhecia. Você mudou. O Hugo por quem me apaixonei teria feito qualquer coisa para alegrar ela. Cadê a sua compaixão? Ela é uma criança, pelo amor de Deus! Você não pode agir assim com ela! O que foi que aconteceu?
Eu, irritadíssimo, respondi:
-O que aconteceu? Essa porra toda aconteceu! Os zumbis aconteceram! Essas frescuras de vocês têm que parar, isso sim! Histórinha pra dormir, no meio de uma invasão de zumbis?! E você, chorando toda a vez que vê um cadáver?! Porra, isso é perda de tempo. Eu tô pensando numa maneira de sair daqui, de nos salvar, e você vem me falar sobre delicadeza?! No meio de uma invasão de zumbis?!
-Uma coisa não exclui a outra!- Ela respondeu, chorando.- Eu não acredito que tô ouvindo isso! Eu não mudei! EU não mudei! Por que você tem que mudar?!
-Eu me adaptei à situação. Você devia começar a aceitar que as coisas não são mais como antes.- Esbravejei.
A Vany me olhou com os olhos vermelhos, tremendo. Ela disse:
-Como você pode ser tão frio? Como você pode ser assim?! Como você se aguenta assim?! Eu não tô mais falando com o Hugo. Eu não quero mais você. Não quero mais olhar pra você, não quero mais falar com você, não quero mais nada com você. Você conseguiu estragar a única coisa boa que tínhamos por aqui, Hugo. Parabéns.
Peguei meu travesseiro e fui para o sofá da casa. A raiva tinha passado, de repente. Me senti culpado. Será que eu tinha sido duro demais? Será que eu estava errado? Não sei. Eu sei que queria muito, mais do que tudo, sobreviver a tudo isso. Durante uma invasão de zumbis, não se pode ter o luxo de amar. É preciso estar focado na sobrevivência, sempre. É o mais importante, não importa o preço. Agora, enquanto escrevo, percebo o quanto estava errado.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Novidades!!! - Importante

Galera, resolvi testar uma parada. Agora, na comunidade, há uma enquete nova que tem como objetivo tornar essa história um pouco mais interativa. Votando na enquete, você vai influenciar na história, só não vou deixar bem claro em como ela vai se alterar. Mas, enfim, esse mistério sobre como ela vai alterar é mais pra ter a opinião real de vocês, sem que ninguém vote no que acha que seria "mais legal pra história". O que quer que aconteça depois disso pode ou não ter sido influenciado pela enquete, e todo o bem ou mal que as decisões de vocês causarem serão diretas consequências da escolha que vocês fizeram. A enquete se chama "O que você acha mais importante?", tem apenas duas opções e ficará aberta até 15 de Novembro. No tópico "Notícias do Autor" há uma nova postagem falando sobre ela, dêem uma olhada, ela também é importante. Conto com a participação de vocês. Já fica avisado que ambas as opções têm suas vantagens e desvantagens futuras dentro da história, e o próximo capítulo só vai sair depois que a enquete fechar.


Make choices. Face the Consequences.
"Escolha. Enfrente as consequências."

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Capítulo 34- Problemas

Não havia respingos de sangue na parede. Ele levou o tiro deitado. Não havia sinais de mordidas no corpo. Não fora suicídio, ainda mais agora que havia reencontrado a filha. Ele foi executado cruelmente. Um tiro na garganta, sangrou até a morte. Mas por quem, e por quê? Eu suspirei, enquanto olhava para os olhos aguados da Vany.
-Ele foi assassinado. Não sei o motivo.

Ela deixou algumas lágrimas caírem, eu me aproximei, murmurando:
-Vany... Nós... Nós não podemos ficar aqui. É muito perigoso.

Ela me empurrou para longe, dizendo:
-Por que você é tão frio, Hugo?

Eu me surpreendi, dizendo, mais alto do que deveria:
-Eu!?

Ela entrou no quarto de Raquel, onde tínhamos deixado Marina, balbuciando algo sobre não aguentar mais. Eu balancei a cabeça, passando a mão pelos cabelos. Agora essa. Ela queria dizer que eu era frio? Logo eu? Poxa, depois de tudo que demonstrei, depois de ter ajudado não só ela, como a Raquel e o Pedro, depois de ter ficado um tempão mal por causa do Ivan, depois de tudo o que fiz pelo grupo, ela tava me chamando de frio? Frio era quem matou o Ricardo. Filho da puta. Ele num ia ter nem um enterro decente. E tudo aconteceu nesse intervalo ridiculo de tempo, enquanto íamos e voltávamos do mercado. Ivan e Ricardo. E a gente nem sabia se o Pedro e a Raquel tavam bem, o Pedro com aquela perna dele... Não tínhamos pra onde ir. Não tínhamos armas nenhuma, éramos dois adolescentes em clima de tensão cuidando de uma garotinha de 4 anos. Que droga. Mas que não dava mais pra ficar ali não dava. Primeiro roubaram a casa inteira. Agora invadiram e atacaram os três, sei lá porque. Tínhamos que ir pra algum lugar, onde quer que fosse. Resolvemos ir para o lugar onde a Vany ficou qdo se separou de nós. Pouco tempo depois saíamos da casa rapidamente, sem muitas palavras proferidas.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Capítulo 33- Desilusão

Eu abri a porta dos fundos do mercado meio inseguro, a garota no colo, tentando ver alguma coisa lá dentro. As luzes estavam apagadas, sombras se estendiam pelo interior do aposento dificultando a minha visão. Não tinha desculpas para a Vany sobre a garota. Nem sobre perder minha arma. Eu entrei, cauteloso, fechando a porta atrás de mim. Demorara bastante tempo para achar a porta dos fundos que a Vany tinha aberto. Agora eu tinha que achar a Vany.
Atravessei o quartinho com cuidado. Abri a porta, que levava a um corredor cheio de portas escancaradas. Fechei a porta novamente. Não dava pra entrar num corredor escuro, carregando uma menininha de 4 anos no colo, desarmado, sozinho, no meio de uma invasão de zumbis. Eu coloquei a garota no chão e deixei meus olhos se acostumarem à escuridão, enquanto explicava para ela que havia uma amiga minha ali dentro esperando por mim. Quando finalmente comecei a enxergar no escuro, vasculhei o quarto com um olhar, rapidamente. Então, de repente, a porta abriu, fazendo com que eu pulasse de susto, desesperado por encontrar uma arma. Porém, meu susto foi substituído por alívio quando vi um rosto bonito com lindos olhos verdes ao invés de sangue e carne podre. A Vany pulou em mim e eu abracei-a com vontade, feliz de poder sentir sua presença de novo, de sentir seu calor característico mais uma vez ao meu lado. Nos beijamos longamente e, por algum motivo, eu lacrimejei um pouco. Quando finalmente acabou o beijo, abracei-a como se quisesse guardá-la dentro de mim. Ela ficou meio confusa, mas não rejeitou o abraço. Então nos afastamos e eu comecei a problemática. Expliquei pra ela o que tinha acontecido. Falei que não podíamos abandonar a garota sozinha. Apresentei-as e descobri que o nome da garota era Marina. A Vany acatou à decisão rapidamente, mais do que eu imaginava. Logo estávamos os três andando pelo mercado despreocupadamente, já que a Vany nos avisou que não tinha ninguém por ali.
O lugar estava uma bagunça. Com certeza não éramos os primeiros a visitar o mercado, e provavelmente não seríamos os últimos. Muitas prateleiras haviam sido reviradas, e a maioria das facas e afins havia sido levada. Mas algumas outras utilidades foram esquecidas. Começamos a catar o que a gente achava que tava bom. A menina, alegre, ia pedindo coisas e surpreendia-se cada vez que pegávamos o que ela queria: não era assim que as coisas funcionavam antes. Podia-se ver o brilho naqueles olhinhos azulados enquanto nós estendíamos a mão para pegar uma caixa de suco ou um pacote de bolachas. Eu, cauteloso, comecei:
-Olha Marina, a gente tá pegando essas coisas, mãs não temos como saber se elas ainda tão boas. Se elas tiverem estragadas, pode ser que...
Eu parei de falar quando percebi que as duas tinham parado. A seção de brinquedos se estendia à nossa frente, revirada. Nem um único brinquedo havia sido levado de lá, e, no entanto, todos estavam jogados no chão, ou quebrados. Eu percebi que a garota estava esperando encontrar o lugar intacto. Eu vi os olhinhos dela se encherem de água enquanto as suas expectativas foram quebradas pela dura realidade. Ela estava com fome, cansada, machucada, mas era uma criança. E era isso que me revoltava. Não pelo fato de ser inocente e indefesa. Mas porque a porra da invasão ia tirar a infância dela. Mesmo que ela sobrevivesse a isso tudo, ainda ia ter que fazer terapia lá fora, ainda ia ter traumas pro resto da vida. Não sei se ia se encaixar de novo. E eram os mesmos medos que eu tinha pra mim mesmo. Será que as coisas iam ser simples quando tudo acabasse? Será que eu ia conseguir me acostumar à vida normal de novo? Será que eu ia conseguir fazer novos amigos? Como seria a minha relação com as pessoas que não passaram por tudo isso? E isso tudo considerando que eu tinha idade o suficiente pra entender tudo o que estava acontecendo. Agora, imagine se eu tivesse quatro anos durante a invasão. Ia ser muito pior. Merda. Malditos zumbis. Eu tinha me acostumado com eles, a raiva inicial tinha passado. Eu tinha me deixado acomodar. Isso não podia acontecer de novo.
Marina caminhou pelos brinquedos e vasculhou desesperadamente, mas não havia nada de funcional por ali. Então, com uma cara de tristeza, ela olhou para nós e eu previ o que ia acontecer. A cara dela começou a se contorcer e logo ela estava chorando, alto. Eu e a Vany tivemos a mesma reação ao mesmo tempo, correndo de encontro a ela e envolvendo-a num abraço a três. Não dissemos nada, deixamos que ela chorasse, mas também fizemos ela sentir nossa presença.
Foi só bastante tempo depois; andando de volta para a casa do Ricardo, cheios de roupas e comida, além de um martelo de amaciar carne e um martelo comum; que ela voltou a se animar, provavelmente empolgada com a expectativa da refeição. Infelizmente, nós não podíamos deixar ela ficar falando, por sempre tentarmos evitar zumbis. Por isso, tivemos que dar uns cortes legais nela, mas isso não a afetou. Ela ficou quieta, mas não ficou menos animada. A gente só se desanimou quando chegou na casa de Ricardo e descobrimos a porta aberta e a casa, vazia. Ou melhor, vazia não. No corredor principal, o corpo de Ricardo jazia, um tiro na garganta e uma poça de sangue ao redor de sua cabeça.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Capítulo 32- Contra Tudo e Contra Todos

Eu sempre gostei de crianças. E eu sempre tive facilidade em lidar com elas. Quando eu ainda vivia minha vida normal de adolescente, eu lembro que às vezes eu ia ajudar minha mãe no trabalho dela. Minha mãe era dona de uma "brinquedoteca", que ficava na mesma escola que eu estudava. Um lugar onde os pais deixam os filhos quando sabem que vão se atrasar para buscá-los, onde as crianças brincam e jogam jogos e tal. E eu lembro que quando eu ia lá, elas ficavam malucas! Brincávamos de pega-pega, jogávamos jogos de tabuleiro, teve uma vez que eu até apresentei uma peça de teatro pra elas. E elas, de olhos arregalados, por ter um "adulto" para brincar com elas. Mas eu não precisei de minha habilidade para convencer a garota (eu ainda não sabia o nome dela) a se esconder. No momento em que a porta começou a tremer, eu olhei para ela e falei "Se esconda! Rápido!", no que ela disparou e sumiu, nem dando tempo para eu ver aonde ela iria se esconder. Peguei a perna da mesa, caída no chão, e andei lentamente até a porta. Abri a porta com uma mão, de uma vez, e um zumbi pulou em cima de mim, mas eu, preparado, pulei para trás, deixando ele caído no chão. Em pouco tempo, uma poça de sangue se espalhava pelo carpete lilás, e um cadáver já sem vida descansava no chão. Eu percebi que mais um punhado de zumbis lutava para subir as escadas, tropecando a cada degrau. Não iria demorar para que eles chegassem ao segundo andar. "Merda!" eu pensei, procurando, desesperado, uma rota de fuga. Eu olhei pela janela, vendo a altura. O que eu não lembrava é que a janela ficava no telhado, graças a Deus. Sorri e me virei para o quarto novamente, dizendo pra ela sair. Um segundo depois, me arrependi de ter feito isso. Tinha um cadáver com uma poça de sangue ao lado da porta e eu, por estar acostumado a ignorar esse tipo de coisa, me esqueci dele. No momento em que a porta do armário se abriu, eu corri e peguei ela no colo, dizendo:
-Não olhe para o resto do quarto, fica de olho fechado, tá bom?!

Exatamente da maneira que eu achei que ela iria agir, ela olhou para o resto do quarto, enquanto eu lutava para abrir a janela com uma mão ao mesmo tempo em que tentava bloquear a visão dela do resto do quarto com o meu corpo. Eu falei, meio bravo:
-Pára de olhar!
Ela se assustou e eu me desculpei:
-Olha, desculpa, é que nós temos que sair rápido. Você tem que confiar em mim, olha pra mim, você não vai querer ver o que tem no resto do quarto, fica olhando pra mim.

Ela assentiu com a cabeça, meio chorando e ficou olhando pra mim. Eu abri a janela e falei:
-Isso, continua olhando pra mim.

Ela começou a desviar o olhar para o lado e, enquanto eu abraçava ela para sair pela janela em segurança, mas então eu falei:
-Não olhe pro seu quarto, fica olhando pra mim! Vai dar tudo certo, você vai ver!

Eu saí pela janela e fiquei de pé no telhado, abraçando ela. Olhei para baixo, para ver onde estava pisando e acabei vendo o chão lá embaixo. Meu medo de altura voltou. Tinha adquirido aquilo desde que caíra de uma árvore e quebrara os dois braços, muito antes da invasão. Me senti meio tonto e me encostei na parede. Péssima ideia. Um zumbi; que já havia chegado no segundo andar, atravessado o quarto e andado até a janela; estendeu a mão e segurou meu ombro, me puxando pela camiseta. Eu estava segurando uma criança de quatro anos com os dois braços e me dei conta de que havia esquecido a minha arma dentro do quarto. Entrei em pânico, me sacudindo e puxando o braço para fora, tentando fazer o zumbi bater na parede pelo lado de dentro. Ele bateu e me soltou. Eu fui lançado para frente, me desequilibrando na beirada do telhado. Senti meu peso ir para frente, tentando, desesperadamente, me jogar para trás, o que era muito difícil carregando a garotinha no colo. Eu caí, sentindo o ar se esvair dos meus pulmões, de medo. Eu ia esmagar a garota. Num impulso, joguei ela para longe, ouvindo seu choro enquanto a o chão se aproximava e eu ouvia o barulho de dois corpos batendo na grama. Ainda bem que eu não desmaiei naquela hora.
Alguns zumbis circulavam aleatóriamente pelo quintal, a grade da entrada entortada. Os zumbis que eu havia trazido para lá deviam ter sobrecarregado a grade de peso: não eram poucos. Eu levantei, meio tonto, batendo a cabeça em um zumbi enquanto o fazia. Caí para trás e senti a pancada. Mas precisava me levantar. A garota estava em perigo. Eu ouvia outros desmortos se aproximarem, enquanto o que estava à minha frente se impulsionou para minha direção. Rolando para o lado, deixei ele cair no chão, me levantando logo em seguida. Olhei em volta e vi a garotinha berrando de dor. Claro que ela não estava pronta para uma queda dessas. Vários zumbis começavam a se aglomerar ao redor dela e eu comecei a me desesperar. Num surto repentino de instinto paterno, adrenalina sobrecarregou meu sangue. Nem sei direito como fiz o que fiz. Sei que tuco ficou meio borrado e a única coisa que me importava naquela hora era a menina. Corri até ela, derrubando zumbis com empurrões, jogando eles para os lados com uma facilidade enorme. Por trás dela, um morto-vivo se aproximava, babando seu próprio sangue. Eu corri ainda mais rápido, fumegando de raiva e, num salto monstruoso, estendi uma das minhas pernas para frente, acertando a testa do zumbi, que voou para trás por um metro, enquanto eu caía, em pé, uns centímetros à frente da menina. Peguei ela no colo novamente e, correndo, atravessei a brecha na grade, tentando fugir o mais rápido possível daquele inferno que havia se tornado a tal casa.

quarta-feira, 30 de junho de 2010

Capítulo 31- Negociação

No mesmo exato momento em que me viu, começou a chorar. Eu segurei ela e ela começou a espernear, chutando para os lados, tentando escapar. Eu abracei ela com força e murmurei alguma coisa como "Calma, eu não vou te machucar". O fato de uma criança estar sozinha numa casa rodeado por malditos zumbis no meio de uma cidade infestada e deserta me atingiu como um soco e, enquanto eu tentava acalmá-la, tentava, por dentro, me acalmar também. Conforme ela parava de espernear e começava a se confortar em meu ombro, deixando todo o seu medo se esvair em lágrimas para (provavelmente) a primeira pessoa de verdade que ela via desde o começo da invasão, eu começava a me preocupar mais e a sentir meu estômago afundar pensando nas implicações que minha atitude traria. Eu não podia deixá-la ali! O plano teria que mudar, teríamos mais uma boca para alimentar. Quem sabe seria melhor abortarmos toda a missão. Não, a Vany já tava dentro do Walmart, provavelmente esperando por mim. Como é que ia ser? "Oi Vany, tudo bem? Eu despistei os zumbis, mas achei isso aqui no lixo *aponta a garota* e ela não parava de me seguir onde quer que eu fosse. Tentei despistar ela também mas não deu certo. Tentei até jogar ela nos zumbis, mas ela voltou." Eu quase ri. Precisava parar com essa mania de fazer piada em hora séria. E isso era sério, muito sério. Eu não podia tomar essa decisão sozinho, mas também não podia abandonar ela de novo. Claro! A não ser que os pais dela ou sei lá tivessem saído ou algo assim. Esperançoso, olhei fundo nos olhos dela e perguntei:
"Onde é que estão seus pais?"

Ela olhou para mim meio fungando e disse:
-Mamãe e papai foram embora quando os homens do exército vieram.- pausou um pouco e olhou para as mãos, talvez pensando se devia me contar mais. Continuou a falar sem nem levantar o olhar- Eles falaram pra eu me esconder bem que tudo ia dar certo e que Papai do Céu ia me proteger e eu fiquei com medo do escuro de dentro do baú que eu tinha me escondido e aí eu saí.

Quando ela terminou de falar, eu comecei de novo:
-O que que você têm comido?

Ela falou baixinho:
- Leite e bicoito

Ela não pronunciou o "S". Meu Deus, ela era muito pequena!
-Quanto anos você tem?
Eu perguntei.

Ela pensou um pouco e me estendeu quatro dedinhos magrelos. Eu arregalei os olhos, então balancei a cabeça. Eu olhei pra ela e falei:
-Você tá com fome né? Olha só. Vamos fazer o seguinte. Eu vou te levar pra minha casa e...

Ela me interrompeu, gritando:
-Não! Mamãe disse pra eu não confiar em estranhos! Você pode ser mau!

Eu sorri e disse:
-Tem razão, sua mãe tá certa. Você não pode mesmo confiar em gente que não conhece. Mas olha só, você tá com fome, né? Vamos fazer um combinado? Eu vou ajudar você a achar comida e vou preparar pra você. Só isso. Se você não gostar da comida, eu te deixo aqui de novo pros seus pais virem te buscar. Mas, se você gostar, você fica comigo e a gente procura seus pais juntos e eu te prometo que a gente acha eles. - Enquanto eu falava, os olhos dela se arregalavam de esperança. Estendi a mão e disse:
-Feito?

Ela assentiu com a cabeça, animada. Afinal, de um jeito ou de outro, ela ia ganhar uma refeição grátis.
-Ok, mas pra isso nós vamos ali pro mercado ali do lado e eu deixo você escolher o que quiser de lá.

Ela sorriu, meio incrédula de que poderia pegar o que quisesse. Eu repeti, pra reafirmar:
-Qualquer coisa.

Eu levantei e estendi a mão pra ela, mas, claro, as coisas estavam indo bem demais. Não, eu nunca podia ficar feliz por muito tempo. É pecado. É crime. Por isso que, quando eu estendi a mão pra ela pra ajudá-la a levantar, eu ouvi o som de alguém espancando a porta. Não eram sons de alguém batendo à porta, mas de alguém lançando seu corpo todo ao encontro da porta. Eu olhei pela janela, apesar de nem precisar fazer isso pra saber exatamente o que estava acontecendo. Os zumbis tinham invadido a casa.

terça-feira, 29 de junho de 2010

OFF- Retorno

Galera, depois de um tempo sem nenhum acesso à internet, eu volto à produção do Cheiro de Podridão. Estamos mais ou menos no meio da história, o que me desanima um pouco pois ainda há um longo caminho a ser percorrido. Mas é isso aí. Erguer a cabeça e continuar. Acho que hoje ainda saem dois capítulos mais tarde. Abracos

Hugo Mendes de Oliveira

terça-feira, 1 de junho de 2010

Capítulo 30- Surpresa

Eu andava rapidamente em direção à esquina, parando ocasionalmente para que os zumbis pudessem me seguir. Esse era o maior problema, eu nunca parecia saber ao certo quando parar. Se eu errasse um pouco, podia custar minha vida ou a vida da Vany. Eu sempre exagerava um pouco mais pro meu lado e, apesar de um dos zumbis ter roçado em meu braço esquerdo uma vez, eu consegui atraí-los para longe da entrada com alguma dificuldade. E novamente eu parava e eles vinham arrastando-se em minha direção. Então eu percebi que, na esquina seguinte, haviam zumbis cercando uma casa, que só podia significar uma coisa: Havia gente lá dentro, ou, pelo menos, gente morta. Ótimo. Se eu fosse cuidadoso, podia "deixar" os zumbis que estavam me seguindo ali e continuar praticamente sozinho até achar uma entrada. Então fui em direção à casa. Um dos zumbis que estava ali tentou pegar meu braço, mas eu dei uma porrada nele com o pedaço de madeira maciça que eu segurava e ele caiu no chão. Andei um pouco mais e os zumbis que estavam atrás de mim começaram a me seguir, cambaleando e tropeçando. A casa era grande, branca, mas tinha uma grade alta que impedia o meu avanço e o dos zumbis. Eu fui na direção onde havia menos zumbis, e os "meus" zumbis me seguiram. Eu estava pronto para virar e correr para o outro lado, deixando-os ali, quando eu vi um olhinho aparecer por entre as cortinas por um breve momento, dar uma espiada assustada para fora e se esconder novamente. Uma coisa me incomodou gravemente. Aquele olho azul aparecera muito próximo ao chão. Uma criança. Uma criança na casa. Eu não podia deixar os zumbis ali e ir embora. Não importa o quanto demorasse, eles iam acabar quebrando a grade e entrando. Eu tinha que salvar aquela menina. Um zumbi se aproximou de mim e tentou me morder, mas eu pulei para longe, batendo de costas no portão de ferro. Então eu joguei a perna da mesa pra dentro da casa e segurei com as duas mãos num ferro que corria transversalmente aos outros. Meus machucados voltaram a arder, mas eu ignorei-os. Tinha virado especialista nisso. Me puxei mara cima e um zumbi segurou meu tornozelo. Eu dei uma calcanharzada violenta na cabeça dele e ele se afastou por um momento, tempo suficiente para terminar de pular para o outro lado da grade. Caí lá dentro e peguei a minha arma novamente. Fui andando em direção à casa e bati na porta, pedindo para que me deixassem entrar. Nada. Pedi novamente. Nada. Então eu quebrei a janela e entrei por ela com dificuldade. Entrei na casa, que estava bem iluminada, mas em decadência. Fazia tempo que ninguém varria o chão ou arrumava a cozinha, que estava aberta num corredor à minha frente. Eu prestei bem atenção e percebi que havia alguém andando no andar de cima. Eu subi as escadas e entrei em um quartinho, aonde descobri, em um canto, uma menininha, de chupeta na boca, olhos aguados e arregalados, tremendo de medo.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Capítulo 29- Decisões

-Bom dia- Eu ouvi, após abrir lentamente os olhos. Um beijo quente encheu minha bochecha e eu sorri, abraçando a Vany e respondendo. Ela já havia acordado, mas ficou me esperando, aconchegada no meu abraço. Levantou-se e fomos para o café da manhã. Infelizmente, não havia muito o que comer. O motoqueiro tinha levado a maior parte dos suprimentos. Eles estavam conversando (eu fui o último a acordar) sobre o que fazer. Quando eu cheguei lá, eles disseram que precisavam de mais comida, além de armas e etc. Enfim, infelizmente, não dava pra ficar parado. Então começamos a debater. Para onde ir? Quem iria? Procurar o quê? A maior urgência era comida, então começamos a pensar em super-mercados. Havia um Wallmart há alguns quilômetros, aonde poderíamos conseguir não apenas comida, mas armas, roupas, enfim. Com certeza ainda ia ter algumas coisas sobrando, inclusive porque não pareciam ter muitos outros sobreviventes. Quando chegamos a esse ponto da conversa, paramos. Um silêncio fúnebre pairou sobre nossas cabeças e decidimos que havia chegado a hora. Explicamos a eles o que acontecera com Ivan. Ricardo ficou em silêncio e só foi abaixando a cabeça. Já a Vany começou a chorar, baixinho, triste, como um lamento. Ela escondeu o rosto e eu abracei ela, chorando um pouco também. Ainda me dói falar abertamente sobre o Ivan.

***

Depois disso, a Vany ficou mal. Mas, nós tínhamos sido escolhidos pra ir fazer a busca. Ricardo precisava ficar e proteger a casa. Pedro precisava ficar parado também, sua perna parecia estar melhorando um pouco. Raquel se voluntariou para ir comigo, já que a Vany tava dormindo, mas Ricardo não deixou. Imagino que tenha sido em parte porque ele queria ficar mais com a filha e em parte porque ele tinha me visto abraçado com a filha dele no dia anterior. Enfim, seja como for, eu tive que ir atrás da Vany e a carregar para a rua. Eu continuava com a perna de mesa como arma, enquanto a Vany permanecia desarmada.
Nós saímos pela rua andando, evitando confrontos e passando rapidamente por zumbis solitários e alguns acidentes. Andamos por um bom tempo e enquanto andávamos eu pensava na nossa situação: "Apesar de tudo, estávamos sobrevivendo bem. Quer dizer, eu tava ferrado, acho que dava pra listar todos os meus machucados. O Pedro também, óbviamente. Mas o Ricardo, a Raquel e a Vany estavam ilesos. A média é boa." Ninguém falou nada no caminho, a não ser por falas curtas, como "Por aqui". Foi só ao chegarmos perto do lugar que nós dois ficamos realmente sem palavras. Entre nós e o supermercado, estendiam-se fileiras após fileiras de zumbis, desmortos nojentos que cambaleavam pelas ruas entre nós e nosso objetivo. Eu e Vany nos escondemos atrás de uma lata de lixo e eu senti meu coração disparado no peito. Tínhamos andado aquilo tudo pra nada? A Vany ainda estava com a cara inchada do choro e eu não queria desapontar ela. A perda de Ivan ainda a atingia como uma doença lenta. Então eu resolvi pôr em prática o que Ivan me ensinou. Resolvi fazer o que ele tinha feito. Não era hora de ser corajoso? Então, eu sussurrei:
-Vany, eu tenho um plano. Fica aqui escondida até ser seguro. Eu vou colocar a gente lá dentro. Confia em mim.

Ela começou a murmurar alguma resposta, mas eu levantei e comecei a correr para a esquina, gritando:
-Olhem pra mim, suas bestas! Olhem aqui! Quem quer um pedacinho do Hugo? Eu sou magrinho mas sou gostoso!

Comecei a andar lentamente, enquanto os zumbis viravam pra me encarar. Estava colocando minha existência em risco, essa podia ter sido a última decisão de minha vida. Olhei para a lata de lixo e senti lágrimas começarem a queimar meus olhos. Podia ser que eu nunca mais visse a Vany. Mas o que importava é que ela ia ficar bem. Era só o que importava.
-Venham seus putinhos! Tem Hugo pra todo mundo!
E enquanto eu corria e uma infinidade de zumbis começavam a vir atrás de mim , eu pensava"Ivan, Vany... isso é por vocês!"

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Capítulo 28- Reencontros

Eu ajudei Raquel a levantar e ela me olhou nos olhos, me abraçou e começou a chorar. Eu não sabia se ela tinha visto que o pai estava tão perto. Abracei ela de volta e ficamos daquele jeito por algum tempo. Ela me deu um beijo na bochecha e sussurrou um delicado obrigado em meu ouvido. Ela continuou me abraçando forte e eu fiquei sem saber o que fazer, afinal eu não podia simplesmente empurrá-la para longe. E o pior é que ela tava cheirosa, o que é muito bom, pra variar... Então ela me deu um beijo no pescoço e eu senti um arrepio percorrer a espinha. Aí que eu vi a Vany parada, olhando pra nós, com uma cara de choro. Ela se virou e saiu correndo de volta para a casa e eu, agindo por impulso, saí correndo atrás dela, desvencilhando-me de Raquel e correndo através do parque. Ricardo então veio correndo e me cumprimentou. Ele também não sabia que aquela era a filha dele. Eu virei para trás, ainda correndo e falei, ofegante, apontando para a garota que diminuía à distância, deixada para trás, confusa:
-Trouxe um presentinho pra você, cara...

Ele não entendeu nada, mas virou-se e começou a andar em direção a Raquel. Eu virei pra frente novamente e aumentei a velocidade. Me aproximei da Vany e segurei seu braço. Então ela virou e me deu um tapa no rosto. Não doeu tanto fisicamente. Eu olhei para ela e vi seu rosto iluminado pelo luar, os olhos aguados, o lábio inferior tremendo. Isso sim doeu. E muito. Nos olhamos por um tempo, a tristeza refletida em seus olhos verdes. Então, num impulso, ela me abraçou e, meio confuso, eu abracei ela. Ela começou a chorar no meu ombro e eu soltei um suspiro. Ficamos abraçados por um bom minuto e meio. Ela foi parando de chorar gradualmente e eu acariciava o braço dela, murmurando bobagens como "Calma, calma". Enfim, ela me olhou e me deu outro tapa. Ela disse:
-Esse daqui é pelo beijo que ela te deu e que você recebeu de boa.

Eu comecei a rir.
-Tá com ciuminho é? Num sou nada teu, ok? Tenho direito de fazer o que eu quiser.

Ela pareceu que fosse chorar de novo, então eu comecei a rir mais e falei:
-Mas eu gosto de saber que você tem ciúme de mim. Porque eu também teria ciúme de você. E num tenho nada com você, mas num precisa oficializar um compromisso. É só com você que eu quero ficar, ninguém se compara a você.

Aí ela me abraçou e começou a chorar mais, enquanto eu sussurrei em seu ouvido:
-E você já devia saber disso...

***
Por uma noite, nós fomos uma família feliz. Voltamos para a casa de Ricardo, aonde eu contei a ele sobre o motoqueiro. Ele nem se importou. Tinha a filha de volta, estava felicíssimo. Pedro ficou super feliz em ver a Vany de novo. Nós conversamos a noite inteira e a Vany contou que se trancara no banheiro e saíra pela janelinha pela qual havíamos entrado. E depois disso, foi mais ou menos parado pra ela. Até que Ricardo a encontrou. Não contamos para a Vany que o Ivan tinha morrido, e nem pra Ricardo. Deixamos a má notícia pra depois. Hoja era noite de festa. Conversamos, rimos, chegamos até a dançar. Vany passou a noite inteira de braços dados comigo e Raquel, abraçada com o pai. Mas eu ainda percebia o olhar de Raquel olhando para Vany de uma maneira meio estranha. E, quando eu fui dormir, aquilo continuou me perturbando. E, finalmente peguei no sono, eu tive uns sonhos estranhos, apesar de não me lembrar direito do que se tratava. Só sei que envolvia a Raquel e a Vany. Só que a Vany tava morta.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Capítulo 27- Cães do Inferno

Todos sabíamos o que tínhamos que fazer agora. Precisávamos ir atrás de Ricardo, principalmente por que a Raquel estava conosco, e cada vez mais difícil de controlar. Houve uma pequena discussão sobre quem ficaria sozinho na casa. Raquel queria muito ir atrás do pai e eu relutava em deixar o Pedro sozinho. Mas sem mim, a Raquel não iria. Pedro ainda não tinha ganhado a confiança dela, ela preferia ir comigo. E Pedro também não tinha muita paciência com as outras pessoas e, provavelmente, iria preferir ir comigo. Ficamos numa discussão até que Pedro se voluntariou pra ficar na casa, pois estava cansado, tanto física quanto emocionalmente. Queria se isolar disso por um tempo. Eu e Raquel procuramos armas, mas não tinha muita coisa. Aquela faca de cozinha, uma perna de mesa que tinha quebrado no tira e põe; e só. Eu fiquei com a perna da mesa, ela com a faca de cozinha. Saímos pela porta da frente. Fizemos um esquema diferente, essa era uma missão de resgate, nós éramos os predadores, não as presas´. Além disso, tínhamos uma mobilidade muito maior do que antes, porque estávamos em apenas dois. Fomos juntos, lado a lado, ela olhando para trás, eu checando em frente. Íamos reto, sem nos esconder. Zumbis passavam por nós e esticavam os braços, nós acelerávamos. Volta e meia achávamos um grupo maior. Graças a Deus que a noite estava clara, senão estávamos ferrados. Tentei pensar aonde Ricardo iria procurar por Raquel. Ele devia ter algum esquema, um mapa ou algo assim. Tentei lembrar de alguma informação que revelasse isso... Nada. Seguimos em frente. Então aconteceu. Eu ouvi um latido e um rosnar e então, três cachorros saíram de um beco. Eu não ia esperar pra descobrir se estavam infectados ou não. Puxei Raquel e comecei a correr. Eles eram muito rápidos, logo estariam em cima da gente. Eu precisava entrar em um prédio, subir em alguma coisa, sei lá. Eu virei uma rua, puxando Raquel junto comigo. Então eu ouvi uma voz familiar, gritando, vo outro lado de um parque:
-AQUI! AQUI!

VANY!! VANY!!! Era ela! Eu olhei e vi alguém acenando com os braços pro alto, a um parque de distância da gente. Eu fiquei feliz. Nós continuamos a correr. Então eu vi um pequeno grupo de zumbis indo até o local, iriam pegar ela por trás. Eu arregalei os olhos e ia avisá-la quando saiu um cara de dentro do prédio que estava atrás dela. Ele ergueu um revólver rapidamente e começou a despachar os zumbis um por um, enquanto a Vany se escondia atrás dele. Ricardo! Era ele, eu tinha certeza! Eu e Raquel corríamos. Então ela caiu. Merda. Eu parei e voltei, dando com a pesada perna de madeira maciça na cabeça do maior dos cachorros que estava na frente, com toda a minha força. Ele levantou no ar e caiu pra trás, desfalecido. Eu não podia nem pedir ajuda pros outros dois, porque eles tinham os próprios problemas pra se preocupar. Raquel, no chão, lutou pra se levantar, eu tentei ajudá-la, mas tive que soltá-la pra meter o pedaço de madeira entre eu e o cachorro, que saltara para me atacar. O terceiro animal pulou em cima de Raquel, que estava no chão e indefesa, a faca caída a alguns metros dela. O cachorro que havia me atacado estava me encurralando com uma árvore e eu comecei a ofegar. Droga, Raquel e Ricardo estavam tão perto de se encontrar! E agora Raquel estava muito perto de morrer também, merda, merda, merda! Não, eu tinha que fazer alguma coisa. Eu não ia permitir que ela se machucasse! Num fluxo de adrenalina, eu ataquei o cachorro e ele pulou em cima de mim. Eu rebati ele com força e ele voou como uma bola de beisebol. Então eu corri para Raquel, soltei a perna de mesa para então abraçar o cachorro por trás, erguendo-o e o atirando para longe. Ele caiu de lado, rodou e levantou-se partindo pra cima de nós novamente. Eu corri até ele, me sentindo selvagem. Mais livre do que jamais estive. Ele pulou em cima de mim com a boca aberta e eu girei, deixando-o cair um pouco à minha frente. Ele ia virar e me atacar novamente, mas eu pulei em cima dele, prendendo-o no vão de meu braço, num mata leão. Pressionei com força, mais força do que eu achei que teria. Ele parou de se mover, pouco tempo depois. Eu levantei-me e suspirei, feliz, leve. Nunca tinha sentido tanto prazer em matar alguma coisa...

terça-feira, 6 de abril de 2010

Capítulo 26- Ivan de Lara Vérité

Eu pensei nisso tudo. Mas o que eu queria era que tudo isso se explodisse... Não me importava. O que importava é que eu nunca mais veria o Ivan. Eu nem cheguei a me despedir. E ainda por cima, eu me culpava. Pedro depois pediu desculpas, havia me culpado de cabeça quente, mas eu ainda sentia a ausência do Ivan. A sua não-presença, com a qual eu teria que aprender a lidar depois. Depois. Agora, eu só queria lembrar. Lembrar de como nós fomos colegas por muito tempo antes de nos tornarmos amigos de verdade. Lembrar de como o conheci, nossa primeira conversa, as noites lá em casa, do dia em que eu o apresentei à Vany, das risadas entremeadas por tosses, alegres tosses, que ele dava. Das histórias, dos projetos, do sentimento de calma e segurança que ele me passava.

-Ele me salvou- Disse Pedro, fitando o nada. Eu tinha acordado há pouco tempo, muito triste pra levantar da cama, as luzes já acesas no interior da casa. E Pedro estava lá, sentado ao meu lado na cama, olhando para o canto do quarto como se fosse uma televisão. Tínhamos ficado quietos até que ele disse isso. Ele pausou um momento e continuou.- Nós estávamos rodeados de zumbis, eu abri um caminho. Nós tentamos fugir por um tempo, mas eles estavam nos alcançando. Daí o Ivan parou, respirou fundo e disse que ia tirar a gente dessa. Que era o único jeito. Eu não entendi nada e ele me mandou correr. Ele disse que tudo bem, que isso era parte do plano dele. Ele me mandou correr para longe que ele ia me salvar. Ele ia atrasar os zumbis. Eu não sabia o que fazer- Ele fungou- Mas ele me empurrou pra longe e já haviam zumbis chegando. Eu caí no chão e um zumbi chegou por trás dele e mordeu seu ombro. Eu saí correndo pro outro lado. Ele deve ter matado uns três pelo menos. Filhos da puta...

Eu fiquei olhando pra ele: olhos aguados, tentando esconder a profunda tristeza que sentia. Ele levantou e foi embora. Eu fiquei refletindo. Muita gente diz que morreria pra salvar outro, mas, no fundo no fundo, sabe que não é verdade. São poucos aqueles que se sacrificariam por uma outra pessoa assim, de repente, sem nem garantia de que o outro vai sobreviver. E Ivan o fez. Toda a implicância que nós tínhamos com ele, é desnecessário dizer, desapareceu. Corajoso. Esse era o adjetivo que o designava. E eu decidi parar de chorar e começar a tentar respeitar ele, seguindo seu exemplo. A partir de agora, era hora de me acalmar, começar a matar zumbis planejadamente, com segurança, pra garantir o maior estrago possível na população deles. Era hora de começar a me preocupar com os outros sobreviventes e começar a me sacrificar por eles também. Era hora de fazer a diferença. Eu levantei, um brilho determinado em meu olhar. Era hora de começar a ser corajoso.

segunda-feira, 29 de março de 2010

Capítulo 25- Sobre a Morte

Eu só conseguia lembrar de um texto que eu tinha feito pra uma amiga minha quando seu cachorro tinha morrido. Todas aquelas palavras melosas de consolo, todas as frases feitas. Só agora eu percebia o quanto tudo aquilo era ridículo quando posto ao lado da dor de uma morte. Eu tinha pensado várias coisas nas últimas horas: Que eu não devia chorar, que a vida, principalmente a vida que eu estava levando, era muito curta, que chorar pela morte de alguém é extremamente egoísta, porque, na verdade, a gente não chora por causa da pessoa, porque ela morreu. Choramos porque ela deixou de viver, porque NÓS não vamos mais vê-la. Porque NÓS vamos sentir sua falta... E a dor que a pessoa sentiu, o fato de ela ter morrido? Ocultamos com frases como: "Ele está num lugar melhor agora". Lugar melhor o caralho. Isso é só a nossa impossibilidade de pensar na morte. Nós queremos continuar vivendo. E por isso, criamos crenças, religiões, ideias, de que a vida não acaba após a morte. E o melhor de tudo: Não dá pra provar o contrário. Como você vai saber? Você já morreu? Na verdade, eu acho que, quando você morre, você simplesmente deixa de existir. Mas, como esse conceito de inexistência é inconcebível para nós, a gente quer continuar acreditando nela. Perceba, o conceito é tão absurdo, tão abstrato quanto cegueira pela falta de córnea. Quando a pessoa é cega por algum outro motivo, ela enxerga (na maioria dos casos) tudo preto. Absolutamente tudo preto. Preto é a ausência de cor. Cor é a luz sendo refletida. Portanto, as pessoas cegas, em sua maioria, tem algum problema que impede a chegada de luz às suas córneas. É como se estivessem permanentemente com os olhos fechados. Agora, quando a pessoa não tem a córnea por algum motivo qualquer, ela não enxerga absolutamente nada. Nem o preto. Nem branco. Nem cor nenhuma. Nem porra nenhuma. Ela enxerga tanto quanto seu dedo. Pra quem tem a visão saudável, isso é inconcebível. E pra quem existe, a inexistência é inconcebível. Não é ver só preto, sentir o nada, ouvir só silêncio, sentir o gosto de nada e o cheiro de coisa nenhuma. Isso tudo, é preso à nossa existência. Sentir o nada é como estar flutuando no ar... Mas então você está sentindo o ar. Ouvir o silêncio é o silêncio que nós conhecemos. O gosto de nada é o gosto da nossa própria boca, ou do ar. O cheiro de nada não existe. Tudo tem cheiro. Quando você não existe, você não vê, você não sente, você não ouve, e você não cheira. Você simplesmente não existe. E, quando você, leitor, morrer (claro, SE eu estiver correto, ainda há a possibilidade de as hipóteses espirituais estarem certas), você não vai nem chegar a saber como é, porque você não vai existir! Você não vai sentir falta de fazer essas coisas, porque você não vai ter como raciocinar e nem ao menos experimentar a inexistência. Pra você experimentar alguma coisa, é requisito básico que você exista... Eu precisava colocar essas ideias registradas em algum lugar, ou então isso ia ficar ecoando na minha mente, me lembrando constantemente da morte do Ivan, me perturbando eternamente. O próximo capítulo vai ser em homenagem a ele. É o mínimo que eu posso fazer...

quarta-feira, 24 de março de 2010

Capítulo 24- O Mensageiro da Morte

Pouco depois, ela disse que ia tomar um banho, pois fazia tempo que não tomava um. Desde que fugira, pra ser mais exato. Ela estava suja de lama, cheia de escoriações, com o cabelo nojento, além de uma roupa larga e fedorenta que desagradava os olhos. E então ela entrou. Enquanto isso, eu procurei as chaves (estavam perto de onde ficava a porta da frente. Ainda bem que o maldito que tava roubando a casa não reparou) e chequei a porta do quarto dela, verificando que estava trancada e que ninguém havia mexido lá dentro. Aliviado, eu esperei até o momento que ela começou a bater na porta do banheiro, chamando meu nome. Eu corri para lá, batendo em resposta e perguntando o que havia acontecido e ela disse que tinha esquecido a toalha. Irritado, peguei a toalha e voltei para a porta do banheiro, a qual ela abriu, exibindo um braço pálido e molhado, deixando escapar algumas nuvens de vapor. Dei a ela a toalha e, alguns minutos depois, ela saiu, enrolada na toalha, lentamente em direção ao quarto. Dentro de pouco tempo, ela estava saindo do quarto, vestida com uma camisa leve, clara e calças jeans. E com um sorriso de orelha a orelha. Ela me abraçou e disse:
-Meu quarto continua igualzinho. Graças ao meu pai e a você. Obrigada.

Confuso, eu respondi:
-Peraí... Graças a mim?

Ela assentiu:
-Você tava com as chaves. Podia ter entrado lá e mexido no que quisesse, mas não fez isso. Deixou ele do jeito que estava.

Eu engoli em seco, lembrando da manhã desse mesmo dia (que agora já virava noite), quando eu mexi em todas as coisas dela para tentar conhecê-la melhor. Eu tinha ganhado a confiança dela. Essa confiança era baseada numa mentira, mas o que eu ia fazer? Sair do abraço dela, dizer "Pára tudo" e explicar o que aconteceu? Pffffft. Aí a gente ouviu alguém gritando:
-Tem alguém aí?

Era uma voz rouca, masculina, eu me desvencilhei do abraço dela e olhei pela janela: Pedro. E mais uns 3 zumbis, um perto e dois mais longe. Ela virou e socou o zumbi, que não teve reflexo os suficiente pra mordê-lo, então caiu no chão, enquanto os outros dois se aproximavam. Eu desci e comecei a desmontar a barricada. A Raquel pegou as duas facas e eu disse pra ela:
-Assim que der, dá uma faca pra ele...

Ela assentiu, meio insegura, enquanto eu continuava a desmontar a barricada. Os outros dois se aproximavam cada vez mais. Já havia espaço para o meu braço. Eu pedi a faca. Ela hesitou. Eu peguei a faca da mão dela e dei-a para o Pedro, que pulou em cima do zumbi enquanto este se levantava com dificuldade. Ele estraçalhou a garganta do zumbi com a faca e os outros dois chegaram. O primeiro avançou com certa velocidade, mas Pedro enterrou a faca em seu peito e o jogou para trás, fazendo-o cair entre ele e a porta, que eu estava acabando de desbloquear. Peguei uma das cadeiras e dei com ela na testa do zumbi que já se levantava do chão. A cadeira quebrou. Pedro levantou-se rapidamente, fincando a faca no queixo do outro zumbi e apuxando violentamente para baixo, fazendo o zumbi cair já, bem... sem vida no chão. Pedro continuou a atacar o zumbi mesmo depois disso, esfaqueando-o, gritando, chorando e tremendo. Eu só interrompi ele por causa dos gritos, que iriam atrair mais zumbis pra lá. Mas enquanto eu tentava arrasta-lo para longe, ele continuava gritando e tentando destroçar o cadáver no chão, mais irritado do que eu jamais o havia visto. Eu o levei para longe e o prendi contra a parede, o que não foi nada fácil. Quando eu consegui fazer isso (Raquel já remontando a barricada) ele continuou a gritar, xingando os zumbis em geral. Eu dei um tapa violento nele. Ele parou. Então eu perguntei:
-Cara, o que aconteceu? Cadê o Ivan?

Pedro disse, ainda muito irritado:
-Eu que devia perguntar, Hugo maravilhoso, herói da invasão... Onde é que você tava quando a gente precisou de você!? Por que você fugiu? Você podia ter salvado ele, ter tido uma das suas ideias, sei lá...

Eu parei de ouvir nas palavras "salvo ele". Minha vista escureceu e eu perguntei:
-O quê? Como assim? O que aconteceu com ele?

Pedro me empurrou respondendo:
-Os zumbis pegaram ele, Hugo! E você nos abandonou! É culpa sua! É culpa sua!

Eu me deixei cair, sentindo o chão bater, duro em minhas costas. Mais duro que o chão era a realidade. Dura demais pra suportar. Eu tinha matado Ivan. Dura demais... Então meu cérebro apagou.

MERDA! CARALHO!

Pessoal, eu escrevi o capítulo inteiro, tinha ficado muito massa! Daí caiu a energia e eu perdi tudo! ¬¬'

Cara, ninguém sabe como eu to irritado agora! Só to postando isso pra vcs saberem que eu tô escrevendo... mas agora eu num escrevo de novo não... Só amanhã... PORRA!

quinta-feira, 18 de março de 2010

Capítulo 23- Encontro Surpresa

Eu tinha acabado de sentir a maior dor que eu ia sentir em toda minha vida. Isso, pelo menos, foi até eu começar a pensar direito. Eu tinha que me cuidar pra que aquilo tudo não infeccionasse. E, quando eu cheguei à casa de Ricardo, a porta caída no chão, eu entrei no banheiro e tranquei a porta. Então eu me despi. E aí eu tomei um banho. Toda a dor que eu tinha sentido pareceu banal. Eu gritei mais do que eu podia gritar. Chorei todas as minhas lágrimas. Mas eu aguentei. Não fugi. Terminei o banho e peguei os medicamentos numa pequena prateleira embaixo da pia. Me enfaixei com gaze e exagerei no spray anti-infeccionante. Coloquei a roupa de novo e saí, em dúvida sobre tentar construir uma barricada para a casa e esperar ou pegar as armas e fugir. Todas as minhas dúvidas foram interrompidas quando eu saí do banheiro.
Eu abri a porta e saí. Então eu vi uma garota bonita, mas maltratada, mais ou menos da minha idade, cabelos escuros compridos caídos por cima dos olhos, encostada na parede ao lado da porta, me olhando atentamente, uma faca erguida no ar. Ela hesitou: Provavelmente não esperava um garoto de sua idade saindo dali. Esse segundo de hesitação me deu a chance de segurar o antebraço dela firmemente contra a parede. Ela então me deu um chute na canela, que acertou meu ferimento recém aberto e recém tratado, fazendo eu me contrair de dor, soltando o braço dela. Ela me atacou com a faca, fazendo um corte dolorido no meu braço esquerdo. Dolorido, mas superficial, porque eu pulei para o lado, caindo no chão de lado e rolando, ganhando o equilíbrio novamente. Todo meu corpo doía lancinantemente. Eu me levantei rapidamente e ela avançou com a faca erguida. Eu não gostava da ideia de bater em uma mulher. Então eu precisava desarmá-la e imobilizá-la. Eu peguei o braço dela novamente, girando-o e prendendo-o sob meu próprio braço, fazendo, assim, a faca cair no chão. Então eu passei o outro braço por trás da cabeça dela, prendendo-a no vão dele. Ela assim ficava indefesa e eu podia conversar com ela. Ela perguntou:
-Quem é você?

Eu respondi:
- Eu que vou perguntar, OK? O que você tá fazendo nna minha casa?

-Sua casa?- Ela retrucou- Essa casa é a casa do meu pai!

Eu arregalei os olhos e soltei ela, dizendo:
-Raquel?

***

A gente conversou. Ela não me contou muita coisa, mas eu contei tudo pra ela. Eu fiquei sabendo que ela já planejava a fuga do Instituto muito antes de fugir realmente, mas não esclareceu os detalhes da fuga. E que tinha fugido muito antes de avisarem seu pai. E que tinham realizado testes nela muito piores do que avisaram. Enfim, tudo no tal Instituto parecia errado. Eu comecei a perceber que seu cabelo não era tão escuro, que aquilo era sujeira. E percebi também que ela viveu fugida assim desde que saiu de lá, antes de a invasão começar. Nós dois estávamos bastante desconfiados um do outro, porém foi bom achar um rosto amigo em meio à tudo aquilo que estava acontecendo. Mas dava pra perceber que ela ainda estava bastante fragilizada. Ela podia não ser louca, mas definitivamente não era normal. Racional, intelectualmente? Perfeita. Emocionalmente falha. Quando eu terminei de contar a minha história até o ponto onde estávamos, ela imediatamente levantou-se e disse:
-Nós precisamos encontrar meu pai!

E começou a ir em direção à porta. Eu demorei bastante tempo pra convencer ela a esperar por ele. E pelos meus amigos, Pedro e Ivan, que eu nem sabia como estavam. Ela demonstrou pouco interesse pelos meus problemas, mas ficava desesperada em relação ao pai. Eu conversei com ela, a gente construiu uma barricada juntos, na porta. E aí a gente esperou.

domingo, 14 de março de 2010

Capítulo 22- Sozinho

Cansado, ofegante e completamente sozinho, eu entrei pela porta da farmácia. Os pedaços de vidro caídos no chão estalaram sob meus pés. Eu sentia os machucados no meu corpo, sangue pingando misturado ás gotas de suor que escorriam pela minha carcaça. Sim, carcaça. Aquilo não era mais um corpo. Eu me sentia irritado, cansado, velho, tenso e nauseado. Mas, acima de tudo, eu me sentia triste. Tinha me sentido dessa maneira desde que fugi dos zumbis, ao ser mordido. Desde que corri, em pânico, abandonando meus melhores amigos à própria sorte no meio de vários zumbis. Fazia uns 20 minutos. Sem eles, eu e locomovia com mais facilidade, no meu ritmo, correndo, pulando, me escondendo tão facilmente quanto eu quisesse. E saber disso fazia com que eu me sentisse péssimo. Era como pensar que eles me atrasavam. "Pronto" eu pensei "Agora não tem mais ninguém te atrasando, Hugo. Você tá sozinho. Pela primeira vez, desde que essa maldita invasão começou, você está sozinho. Completamente sozinho." Eu derrubei alguns produtos das prateleiras de propósito. Eu tinha resolvido fugir e correr até chegar na farmácia, aonde eu daria uma olhada na mordida. Eu tinha reparado que o zumbi que me mordeu foi aquele que eu tinha quebrado parte da mandíbula. Parte. Ele me mordeu com a parte que eu não tinha detonado. Não sei se foi o suficiente. Eu lembro também que ele não mordeu com força. Nem tava doendo. Mas eu entrei em pânico. Tinha sido uma brecha, que podia ter resultado na minha morte. Precisava me preparar mais. Sempre melhorar, nunca está bom o suficiente.

***

Eu levantei a bainha da calça, meio escondido atrás do balcão. estava óbvio que a farmácia tinha sido saqueada. Vários remédios faltavam, entre outras coisas. Eu olhei. Não havia nenhum machucado. Nada. Suspirando de alívio, cheguei à conclusão de que provavelmente devia ter ficado a marca dos dentes do zumbi, pressionados, mas que já devia ter desaparecido. Ele não teve força pra entrar na minha carne. E isso me alegrou um pouco, mas agora eu precisava me reagrupar com eles. Não havia chances de sobrevivência ou qualquer outra coisa pra mim sozinho. E nem de achar eles na cidade. Eu precisava voltar para a casa de Ricardo. Eles voltariam para lá ao final do dia e tudo se resolveria. Assim, determinado, eu levantei e saltei o balcão.
***
Após alguns desvios de rota e momentos escondido, cheguei à entrada da casa de Ricardo. E a porta estava escancarada. Eu ouvi passos e vozes lá dentro. O único esconderijo perto da casa era uma árvore, alta, não muito grossa, mas estava muito perto, perto demais. Eu vi uma moto parada em frente à casa e percebi que provavelmente, ela estava sendo carregada com as coisas da casa. De repente, me ocorreu uma ideia. Eu subi na moto e procurei a chave. Nada. Merda. eu virei para voltar para a árvore quando eu percebi o cano de uma arma encostada na minha cabeça.
-Me dá um bom motivo pra não arrancar seu cérebro de dentro dessa tua cabeça com uma bala.
Eu olhei além do cano. Um homem, grande, olhos escuros, pele clara, cabeça raspada, jaqueta de couro, aparentando uns 35 anos, cavanhaque, cabelos pretos, grossas sobrancelhas e um cigarro meio caído num canto da boca. Eu tava irritado. Eu tava cansado. E eu tinha ficado mais irritado ainda com ele, por estar saqueando a casa do Ricardo. Eu falei, com mais coragem do que imaginei que conseguiria:
-Vai se foder! Eu não devo nada a você, eu tô nessa casa e você tava roubando as coisas dela, então me pareceu bem justo roubar uma coisa tua também. Mas eu me fodi. Você não. Vai embora logo, leva as coisas, só me deixa vazar também. Não fiz nada de errado.
Ele olhou fundo nos meus olhos e me deu uma coronhada violenta na testa, eu caí no chão. Ele me ergueu pelo colarinho com as duas mãos e me colocou em frente ao rosto dele:
-Você tem razão. Não fez nada de errado. Mas podia ter feito. Então que isso aqui sirva de lição pra você, garoto durão, pra aprender a nunca mais mexer comigo.
Ele me prendeu no guidão da moto pela gola e acelerou. Eu nunca senti tanta dor na minha vida. Minhas pernas quicavam no chão, meus braços se arrastavam no asfalto quente, deixando pele e sangue no caminho, minhas calças rasgaram e logo minhas pernas e joelhos também começaram a rasgar, aumentando a trilha de sangue e a dor esfolante que eu sentia. Eu ergui um braço com dificuldade, após recuperado do susto, e desprendi minha gola do guidão. Eu rolei pela estrada, sentindo porradas diferentes de cada direção imaginável enquanto o mundo girava ao meu redor. E, o pior de tudo, eu não desmaiei. Eu senti tudo. E continuei sentindo. E continuei sentindo, o sangue vazando de diferentes partes do meu corpo. As várias pancadas. O asfalto queimando minhas costas. O fôlego lentamente retornando, cada inspiração queimando seu caminho pelas minhas entranhas. Eu comecei a chorar. Chorei muito, pedindo ajuda a ninguém em particular. E ninguém veio ajudar. E aí eu levantei e, meio cambaleando, chorando, escorrendo sangue e tremendo de tristeza e ódio, eu comecei a caminhar novamente para a casa de Ricardo.

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Capítulo 21- Caos

A gente dobrou algumas ruas e fomos andando vagarosamente e em silêncio. As ruas vazias a não ser por carros abandonados para trás na correria da evacuação. A gente não sabia dirigir e, se soubesse, não seria muito aconselhável, por que iria atrair muita atenção. Se bem que seria muito melhor, por causa da perna machucada do Pedro. Mas, enfim, a realidade era outra. Se eu pudesse escolher a realidade, a gente nem ia precisar saber dirigir um carro, muito menos ter que amparar o Pedro por aí. O grande problema da perna do Pedro é que tirava a nossa velocidade. Com ele machucado daquele jeito, a gente não tinha como fugir de zumbis, tínhamos mais ou menos a mesma velocidade deles. Por isso fomos tentando nos esconder, do melhor jeito que deu. A gente não tinha um destino certo, então o plano era perambular pelas ruas procurando as duas meninas, sem ser visto pelos zumbis, até cansar. Enfim, é claro que ia acabar dando errado.

***

E deu. Estávamos andando em uma rua qualquer por ali prédios cercando os dois lados, quando nós avistamos um grupo. Uma roda de zumbis. Deviam ter uns 30, mais ou menos, todos voltados para o que parecia ser um carro capotado. Comendo alguma coisa. Eu apertei a faca na mão e virei para os dois para avisar, quando ouvi um barulho. De repente, uma latinha de cerveja voou e caiu, fazendo um barulho que, aos nossos ouvidos já acostumados com o silêncio, pareceu um estardalhaço. Eu percebi que o barulho veio de trás de nós, da longa rua que se estendia para o outro lado. Eu virei para olhar e vi: Outro zumbi, gemendo, os braços erguidos em nossa direção. Alguns dos outros zumbis se viraram para a nossa direção com o barulho, mas nem todos. Esses viraram-se e vieram se arrastando no seu ritmo lento para cima de nós. Tínhamos que ser rápidos e silenciosos, ou iríamos atrair o resto da turma. Ivan estava parecendo bastante nervoso, murmurando coisas que eu não entendi. então eu virei para o Pedro, que compartilhava meu ódio mortal por zumbis, e disse, meio que brincando:
-Você quer o prato principal ou só o aperitivo?
Ele sorriu e respondeu:
-O prato principal.
Eu virei para o único zumbi que vinha andando. Então, com meu olho, percebi que um zumbi se levantava detrás de um poste e outro dobrava a esquina em frente, certamente atraídos pelo barulho da lata. Eu corri até o primeiro zumbi e, me abaixando para escapar das suas mãos desmortas, eu enfiei a faca ao lado do seu joelho e puxei, arrebentando um dos dois tendões com certa dificuldade. Ele segurou meu ombro esquerdo e se abaixou para me morder. Eu me esquivei rolando pro lado desajeitadamente. Ele começou a se arrastar, mais lentamente que o normal, atrás de mim. Eu me levantei e dei uma olhada para os lados. Um dos zumbis estava logo á minha esquerda, mãos estendidas, guinchando sobrenaturalmente para mim. Ele me segurou e pe puxou com força, abrindo a boca, os olhos saltados fixos em mim. Eu tentei. Eu enfiei a faca na garganta dele com força e empurrei ele pra longe. Mas ele tinha me pegado num abraço. Com dificuldade eu empurrava ele para longe, enquanto eu sentia o hálito horrível e quente dele atingir meu rosto, fazendo meu estômago revirar. A boca dele estava aberta a centímetros da minha cara. Nem tentei me soltar. Se eu tentasse, ele ia acabar me mordendo, porque eu ia soltar a faca. Então eu tive a ideia. Eu comecei a fazer força para cima com a faca e fui abrindo o pescoço dele até o queixo. Ele não pareceu se importar. Com um salto, me impulsionando para frente, a faca presa no maxilar dele, eu derrubei ele no chão com força, o impacto entre o chão e a cabeça dele, sendo o suficiente para a faca arrebentar o osso do maxilar dele, fazendo mais sangue espirrar por aí. Eu estava montado em cima de um zumbi inofensivo. Nunca mais iria morder ninguém. Eu retirei a faca do meio da boca dele e segurei ela à frente dos meus olhos. Ela também tinha entortado com o impacto com o chão. Sem faca pra mim. Eu senti mãos pegarem meu braço direito e o levantarem. Com força, eu dei uma cotovelada na boca do zumbi que estava o segurando. Foi pura sorte ela estar fechada. Eu vi dois dentes caírem enquanto ele abriu a boca. Merda, meu braço estava praticamente dentro da boca dele. Aí, puxaram meu outro braço com força e eu me impulsionei com as pernas para o lado que o puxaram. O zumbi que segurava meu braço direito mordeu o ar, enquanto o outro, que tinha me puxado, tinha sido derrubado pela minha força somada à dele. Pensei em Pedro e Ivan, mas não me arrisquei a olhar para onde os dois estavam. Eu caí no chão em cima do novo zumbi, que fez um barulho com a garganta e tentou me morder, mas eu já estava me levantando. O outro zumbi (uma mulher, por acaso) já estava na minha cola. Eu saltei e dei um chute na garganta dela, enquanto ela se impulsionava pra frente pra me morder. Ela levantou no ar, virou e caiu no chão. O outro zumbi, que já estava no chão, pegou meu tornozelo esquerdo e eu pisei com o pé no braço dele enquanto tirava meu tornozelo do aperto da mão cadavérica. Ele tentou então morder o tornozelo que estava em cima do braço dele, mas eu pulei, caindo com um pé em cima da cabeça dele, escorregando e caindo de costas no chão novamente (eu disse que eu caio fácil, lá no prólogo, lembra? Maldita labirintite) Eu caí com a parte detrás da cabeça primeiro, o que doeu um bocado. Isso, juntando com a minha labirintite e meu ferimento recente no crânio (coronhada do Ricardo), fez minha vista escurecer. Eu levantei rápido e aí minha pressão caiu. Só aí eu desmaiei. Por uns segundos só. Caí de cara no chão. Acordei com sangue escorrendo do nariz e uma dor filha da puta no lábio. Me coloquei em posição de flexão pra tentar me levantar. O zumbi que estava caído à minha frente foi com a boca aberta com tudo nas minhas mãos enquanto eu me levantava. Eu me joguei para trás, acertando um outro zumbi na virilha com a parte detrás da cabeça. Esse zumbi caiu em cima de mim. Eu ouvi uns grunhidos atrás de mim, como se alguém estivesse lutando para se livrar do aperto de um zumbi. O zumbi que tentou morder minha mão acertou em cheio o asfalto, boca aberta e tudo. O zumbi que caiu em cima de mim, no entando, pegou minha perna. Eu senti a saliva dele roçando minha canela. E, apesar da minha luta, de todo o esforço que eu tive pra chegar até aqui, de tudo que eu tinha passado, dos meus chutes e joelhadas, ele me segurou. E me mordeu.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Capítulo 20- Uma Manhã Quase Comum

No dia seguinte eu levantei cansado. Quase não dormi. Acordei e apenas Ricardo estava de pé. Ele estava fazendo uma mesa de café pra gente. Eu dei bom dia e fiquei quieto, como geralmente faço de manhã. Percebi que ele também era assim, porque mal respondeu meu bom dia e ficamos um tempão sem falar nada, eu ajudando ele a preparar a mesa. Terminamos, sentamos e começamos a comer. Aí ele falou:
-Tenho que sair daqui a pouco... Aproveitar o dia.

Eu assenti. Ficamos em silêncio de novo enquanto eu engolia o pão com manteiga. Eu disse:
-Deixa as chaves com a gente e, se a gente sair, a gente deixa a chave no vão da porta.

Ele pensou um pouco e disse OK. Depois que terminou o café, levantamos e ele foi embora, deixando as chaves comigo. Eu voltei e fui para o quarto da garota. O molho de chaves tinha a chave daquela porta e eu abri com facilidade. Entrei no quarto e comecei a olhar as coisas dela: Que tipo de roupas ela vestia, as cores da maquiagem, fotos, textos, trabalhos escolares, livros, DVDs, enfim... Tentando conhecê-la melhor, assim, se eu a visse por aí, eu ia poder saber mais ou menos que era ela... Mas, claro... isso tudo era de antes de ela ter aquele breakdown, então, muito provavelmente, muita coisa teria mudado. Isso se ela não estivesse numa camisa de força ou sei lá... Tá, acho que eu exagerei. Mas acabei descobrindo que ela parecia ser uma garota meiga, delicada, enfim... Todas as cores eram claras e alegres, os textos simples, porém bem escritos... Fotos comuns, iluminadas, felizes. Tudo muito bem organisado. Eu tentei deixar tudo no mesmo lugar que encontrei. Só aí que eu percebi que o Ivan e o Pedro estavam conversando do lado de fora, meio em pânico com onde eu e Ricardo estávamos. Eu saí do quarto o mais sorrateiramente possível. Eu sabia que doía pra Ricardo mostrar esse quarto pra outras pessoas e eu não queria que eles vissem o quarto ou soubessem que eu vi sem a permissão dele. Eu tranquei a porta e fui para a cozinha, onde encontrei os dois conversando e tomando café. Eles perguntaram aonde eu estava e eu disse: No banheiro.

***

Depois de um tempo, eu expliquei pra eles a história inteira e eles perguntaram um monte de coisas. Eu não sabia explicar muita coisa, mas respondi da melhor maneira que pude. Agora estávamos mais ou menos no ponto zero novamente. Íriamos ter que sair em busca de duas pessoas que a gente não fazia ideia se estavam vivas ou mesmo aonde estavam. E estávamos novamente sem roupas e quase sem armas. Eu só tinha uma faca, Ivan só tinha um cutelo e Pedro só tinha sua faca comprida. Pelo menos tínhamos um abrigo com comida, água e um amigo aparentemente confiável, com habilidade o suficiente para nos proteger bem, de militares ou zumbis. A gente saiu e eu coloquei a chave no vão da porta. Erguemos as armas e começamos a vagar pela cidade vazia, cautelosos e com dificulade, por causa da ferida de Pedro. Esse era o primeiro dia da caça às sobreviventes. E o último.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Capítulo 19- Raquel Almeida Rzepkowski

Pedro dormiu no sofá. Eu dormi no colchão. Ivan dormiu numa poltrona. Eu acordei no meio da noite, porque ouvi um barulho. Eu levantei e peguei o taco de beisebol que tinha deixado ao meu lado. Tentando ser o mais silencioso possível, eu abri a porta do quarto. Coloquei a cabeça pra fora e olhei pelo corredor. A porta, antes trancada, estava aberta e uma fraca luz saía lá de dentro por uma fresta. Eu ergui o taco e continuei. Com uma das mãos, eu abri a porta enquanto a outra empunhava o taco. Eu coloquei a cabeça para dentro e vi um quarto. Um quarto de menina. A filha dele. O abajur estava aceso e emitia uma luz tênue e levemente fantasmagórica sobre o quarto. A cama tinha uma colcha roxa, com um lençol branco. O travesseiro também era roxo e as paredes do quarto, menos uma, eram brancas. A outra era roxa. Tudo parecia estar em diferentes tons de roxo. Então eu percebi a arma apontada do lado da minha cabeça. E Ricardo disse:
-Caramba, Hugo, não me assusta assim!

Ele estava encostado na parede ao lado da porta, a arma em mãos. Ele colocou a arma na escrivaninha do abajur e deu um suspiro. Eu perguntei:
-Posso entrar?

Ele assentiu com a cabeça e sentou na cama. Eu entrei, ele fechou a porta. Um silêncio meio constrangedor ficou no ar um tempo e aí ele começou a falar:
-Eu venho aqui pra pensar... Quando eu quero ficar meio que isolado do resto do mundo...- Ele fez uma pausa e continuou- Minha filha, Raquel... Ela tem mais ou menos a idade de vocês... Uns 15 anos, né?

Eu assenti com a cabeça. Ele continuou:
-Ela... Ela era normal... Sempre foi feliz, sorridente, alegre... Uma energia ótima... As brigas entre nós eram raríssimas... Éramos uma família qualquer. Mas aí... Aí aconteceu. Era um sábado à tarde e eu recebi um telefonema. Era do hospital. A minha mulher tinha batido o carro e morrido. Tudo por causa de um motorista bêbado. A Raquel... A Raquel não conseguiu superar... Começou a se isolar cada vez mais do mundo, se recusava a ir à escola e a sair de casa e, eventualmente, a sair do quarto. E aí ela se ofereceu para fazer as compras para mim. Eu achei que ela ia melhorar. Ela voltou com tudo e foi direto pro quarto. Alguns minutos depois, fui chamá-la para o almoço e encontrei ela na cama, os pulsos cortados, uma faca nas mãos. Ela estava sentada, chorando- Ele começou a chorar- Eu vi a culpa em seu olhar. E ela começou a chorar mais. Eu entrei em pânico. Eu chamava a ambulância ou tentava ajudar ela? Eu corri para o telefone enquanto ouvia ela chorando e pedindo para eu perdoa-lá. A ambulância chegou rápido e logo levaram ela para um hospital. Então fizeram uns testes nela e determinaram que ela estava fragilizada demais para voltar pra casa, num lugar que lembrasse tanto a mãe dela. E interneram ela num centro psiquiátrico... Eu perdi a mulher e a filha por causa de um filho da mãe que dirigiu bêbado. Puto!- Ele estava tremendo. Então ele engoliu a raiva e continuou contando a história- Ela nunca mais foi a mesma. Eu ia visitá-la e, quando ela não chorava pedindo perdão, ela estava catatônica, olhando a parede, sem ouvir nada que eu dizia... Eu mantive o quarto do jeito que ela deixou quando saiu, esperando que ela voltasse. Ela nunca voltou... Há pouco tempo recebi uma carta dizendo que ela tinha sido infectada com um tipo de vírus ou algo assim. Hoje eu sei o que era. Ela fugiu do hospital, não sei como. E agora eu não sei onde ela está. Me recusei a sair daqui sem minha filha. Eu não vou abandonar a cidade sem ela!

Eu concordei com a cabeça, lentamente. Comecei a dizer;
-Olha... Eu também... Eu também perdi a Vany... A gente... A gente vai ter que procurar juntos. Pelas duas. Eu... Nem imagino como é a dor que você deve estar sentindo, mas... Eu... Eu vou te ajudar no que puder, cara... O que eu puder fazer... Conta comigo.

Ele pareceu meio surpreso e depois ficou com uma cara mais determinada, apertou minha mão firmemente e disse:
-Eu também, cara. No que eu puder ajudar...

Eu respondi:
-Brigado... Juntos a gente vai achar elas! E elas vão estar bem! As duas!

Ele assentiu com a cabeça. Só muito depois, já na cama novamente foi que eu me perguntei se eu realmente acreditava que as duas estariam bem. Se a gente tinha chance mesmo de achá-las. Se a gente iria sequer sobreviver a isso tudo. A ausência de respostas me manteve acordado a noite inteira

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Capítulo 18- Festa

Eu acordei não sei quanto tempo depois. Senti aquele gosto horrível de saliva parada na boca. Eu estava num quarto pequeno, dormindo num colchão jogado num canto. Precisava beber alguma coisa. Eu balancei a cabeça tentando ajeitar meus pensamentos. O quarto estava uma bagunça. Sentado em uma cadeira em frente à escrivaninha, o homem estava olhando alguma coisa. Ele pareceu não perceber que eu tinha acordado, porque estava murmurando:
-...lembram tanto você... Você... Você ia gostar deles...- Ele estremeceu e eu percebi que ele estava soluçando. De repente, ele se controlou, balançou a cabeça e colocou a foto que estava olhando na escrivaninha de novo. Não dava pra ver de quem era àquela distância. Ele fungou e depois beijou a mão e colocou na foto, completando- Espero que esteja a salvo.

Ele se levantou e saiu do quarto, eu me fingi de morto. Depois de um tempo, eu levantei e, ao lado do meu colchão, encontrei um copo com leite e uns biscoitos, que comi com vontade. Levei o copo com leite até a escrivaninha e comecei a olhar para os papéis. Eu tinha ficado irritado com o cara, mas agora já tinha passado a raiva. A maioria eram relatórios médicos, o último era uma carta, com a data de 4 dias atrás. Eu dei uma olhada rápida:

"...a paciente Raquel Almeida Rzepkowski foi diagnosticada com um novo vírus desconhecido e, após alguns testes terem sido realizados, desapareceu..." Eu olhei, a carta estava com o símbolo oficial do Centro Psiquiátrico Francisco Saldanha. Eu peguei a foto e tomei um gole de leite. A foto mostrava uma garota de 13 anos, mais ou menos, cabelos castanho-avermelhados e olhos azuis, com sardas no rosto. Ela tinha um sorriso de orelha a orelha e estava abraçada com o homem e uma outra mulher. Provavelmente pai, mãe e filha. A mulher era ruiva, bonita e tinha sardas, o homem tinha o cabelo castanho claro e bagunçado, barba malfeita e uma barbixa, mas era jovem. Ele era alto, magro e musculoso. Eu vi, na escrivaninha, um distintivo da Polícia Civil. Eu coloquei o copo num canto da escrivaninha de madeira escura e saí do quarto. O quarto dava num corredor estreito e mal iluminado. De um lado, uma porta levava a uma sala com TV, do outro, uma cozinha e, no final, trancada, havia uma 4ª porta e uma escada. Eu voltei para a cozinha, onde o homem estava se abaixando para tirar alguma coisa do forno. Pizza. Hmmmm. Pedro estava sentado com a perna esticada em uma cadeira, Ivan estava sentado também, conversando com ele. Eu bati na porta e, meio que com um sorriso, disse:
-E aí, quem pediu um Hugo?

Ivan e Pedro sorriram e o cara colocou a pizza na mesa, meio envergonhado. Ivan me cumprimentou meio de longe e o homem disse:
-Escuta, eu... Eu só fiz aquilo por que você tava em pânico. Se a gente voltasse lá, pior... Se você voltasse lá sozinho...

Eu interrompi:
-Eu estaria morto, eu sei. Mas tá doendo- Eu dei um meio sorriso.

Ele sorriu de volta e chegou mais perto, estendendo a mão:
-Hugo, né? Eles me falaram. Ricardo.

Eu apertei a mão dele, meio tenso, mas tentando não deixar transparecer. Ele meio que riu e começou a dizer:
-Olha, cara, eu... Eu fico irritado muito fácil... Eu sei que tenho esse problema, mas eu tenho tentado controlar... Mas geralmente eu sou bem tranquilo... E aí, tá com fome?

Eu sorri:
-Muita.

Sentamos para comer a pizza. Enquanto isso, fomos contando para ele o que tínhamos passado, às vezes precisando de ajuda para lembrar, às vezes nos enrolando um pouco, mas contamos, enfim. Ele ouviu tudo atentamente, fazendo alguns comentários e perguntas de vez em quando. Nós terminamos o jantar e ele disse:
-Agora eu entendi porque você queria voltar pra pegar ela- E deu uma piscadela.- Me digam uma coisa, o qeu vocês acham de tirar a noite de hoje para relaxar?

A gente se empolgou. Ele disse:
-Tem cerveja na geladeira...

Nós rimos. Ele pegou uma cerveja e abriu, levantou-se, foi até a sala e colocou uma música e voltou tomando cerveja. A gente conversou um monte, rimos com as histórias dele. Ele contou que uma vez tinha ido acampar com os amigos e tinham esquecido as barracas. Eles invadiram uma casa e dormiram na sala. No dia seguinte, o dono da casa chegou de viagem e pegou eles dormindo. Eles conversaram com o dono e pagaram um aluguel mixuruca porque ficaram amigos dele. Enfim, ele contou vários causos da juventude e nós contamos umas histórias. Pedro falou da vez que Ivan ficou preso no banheiro do ônibus escolar e eu lembrei de como eu fiquei conhecendo eles. A gente conversou a noite inteira e depois fomos dormir, leves, felizes, distraídos. Ele ficou de vigia a noite inteira, olhando pela janela, tomando cerveja da garrafa e com um olhar meio perdido.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Capítulo 17- Chegadas e Partidas

Eu nem sabia o que estava fazendo. me movia mais rápido do que jamais consegui. Em pouco menos de 3 segundos, estava com a Vany. A primeira coisa que eu vi foi ela. Ela estava se desvencilhando de um zumbi. Além dela e do zumbi, outros seis se encontravam ali e mais entravam por um rombo na parede, local em que antes havia uma porta. Eu estava quase desarmado. Apenas as facas. Na verdade, duas facas. Eu saquei as duas e, com um pisão no peito de um dos zumbis mais próximos, entrei na batalha.
Eu enfiei a faca na cabeça de um dos zumbis e virei-me para o outro lado para esfaquear outro. Então eu senti mãos em meus ombros me puxando e outras no meu braço esquerdo. Com um tranco, soltei meu braço esquerdo e, usando o impulso que o zumbi que estava me segurando deu para frente (provavelmente para me morder), dei uma cambalhota. O zumbi ficou parado no chão, completamente confuso, enquanto eu, desajeitado, acertei sem querer as pernas de outro zumbi, que caiu em cima de mim me prendendo. Eu coloquei o braço entre ele e eu e ele se afastou para dar um bote no meu pescoço. Eu fui mais rápido, colocando a faca no caminho dele, fazendo-o perfurar o pescoço. Ele não "morreu", mas parou. O que me deu tempo o suficiente de empurrá-lo com força para longe. Legal, eu só tinha uma faca. Eu me levantei. Mais e mais zumbis continuavam a entrar pelo rombo da parede. Estava no meio deles, mas eles também estavam distraídos com a Vany, o que me dava uma chance. Então surgiu a salvação. Um tiro passou ao lado de um zumbi, o que chamou a atenção de muitos deles. Pedro, apoiado em Ivan, atirava com o revólver, acertando poucos tiros. E então as balas acabaram. O Pedro puxou a faca longa e, meio abraçado em Ivan, começou a cortar para todo o lado. Aí a gente ouviu um resmungão:
-Merda!

Era uma voz masculina, adulta. E então ouvimos mais tiros. Uma explosão média. Eu senti meus tímpanos doerem. Vany correu para a cozinha. Ivan, com o braço livre, atacava os zumbis com o cutelo, mas parou ao ouvir a explosão. Todos os zumbis viraram-se para o lado da explosão e eu aproveitei a chance para enfiar a faca em no mais próximo, que caiu no chão. Outra explosão e aí uma voz:
-Andem, venham! Eles vão se juntar em pouco tempo, porra!

Foi só aí que eu percebi que era alguém do lado de fora. Eu olhei e vi uma pequena multidão de zumbis e um buraco na multidão. Era a saída. Do outro lado do buraco, a alguns metros de distância, um homem adulto, alto, vestindo o que parecia ser uma camisa social e calças jeans, atirava nos zumbis nas laterais do buraco, afastando-se a cada tiro. Corri para fora o mais rápido possível. Pedro e Ivan seguiram lentamente e eu voltei para ajudá-los a manter os zumbis longe, com empurrões, chutes, trancos e outros golpes pouco ortodoxos. O homem atirava nos zumbis com uma perícia enorme e Ivan e Pedro cortavam qualquer um que se aproximasse demais. Eles passaram pelo buraco, dificultosamente e começamos a caminhar rapidamente para longe daquilo. Nós andamos e chegamos até o homem. Ele virou e começou a correr, dizendo:
-Venham, vamos!
Corremos atrás dele. Aí eu falei:
-Peraí! Cadê a Vany?

Ivan e Pedro ficaram em silêncio. Ivan chegou a abrir a boca pra dizer alguma coisa, mas pensou melhor e ficou quieto. O homem resmungou:
-O quê? Tinha mais alguém com vocês?

Eu parei e comecei a voltar, dizendo:
-Eu tenho que voltar

. Ivan encostou em mim com a mão e eu a joguei pra longe. Foi aí que eu ouvi o homem dizer:
-Ah, mas nem fudendo

E eu senti ele pulando em mim e me prendendo com facilidade com seus braços. Eu comecei a falar:
-Não, a Vany não pode ter ficado, eu tenho que buscar ela!

Ele segurou pelos ombros dizendo:
-Quem? Quem é essa?

-A Vany é... É a nossa amiga- Eu disse, lágrimas queimando os olhos- Eu tenho que voltar! Eu tenho que voltar! Ela está desarmada!

Ele apertou mais forte, dizendo:
-Você tá maluco? Aquele lugar tá cheio de zumbis, depois da explosão enorme que teve aqui, cada zumbi do bairro deve estar vindo pra cá. A gente tem que fugir! Não há tempo a perder!

Eu tentei me soltar dele, dizendo:
-Não interessa, eu tenho que salvar ela, eu não posso deixar que...

Só aí eu percebi o quanto ele estava estressado. seu rosto mostrava uma expressão de raiva pura. Ele me soltou. E depois me acertou com a empunhadura da arma na cabeça. E aí ficou tudo preto.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Capítulo 16- Conversas Adolescentes

-Eu sempre soube que ia acabar acontecendo- Pedro dizia, mordendo um hambúrguer gigantesco feito com tudo que a gente pôde encontrar por ali- Tava na cara, velho, ela te ama.

Eu enrusbeci, balançando a cabeça- Peraí, amor é uma palavra muito forte, eu...

Ivan interrompeu, dizendo:
-Cara, ela te adora e é isso que interessa.

E é gostosa- Disse Pedro. Ele falou zoando, só pra me provocar, mas a palavra parecia ser vulgar demais para a Vany. Ela merecia mais. Mas resolvi deixar passar- Cara, que sacanagem, eu recebo um tiro na perna e você recebe a Vany!

Ivan disse:
-E eu, que não recebi nada!

Pedro disse:
-Ivan, você fica quieto!

Nós estávamos almoçando no escuro enquanto a Vany insistiu em ficar sozinha por um tempo. Eu perguntei:
-O que será que ela tá fazendo?

-Deve estar pensando no que fazer... É uma situação delicada, né, cara?- Ivan respondeu. Pedro derrubou um pouco de molho com alface na mesa, xingou um pouco e disse:
-Cara, que romântico... Atrás do balcão do MacDonald's abandonado num bairro em ruínas, durante uma invasão de zumbis.- Ele riu da própria piada e eu soltei um risinho abafado.

-Cala a boca, eu fiquei com ela, não fiquei? Então, já pegou uma guria durante uma invasão de zumbis? - Nós rimos. Ivan perguntou:

-Mas, sério, cara... O que você vai fazer a respeito?

Eu hesitei. Depois de um momento, comecei:
-Ela é linda, divertida, inteligente, delicada, gosta das mesmas coisas que eu, sabe o que eu tô pensando- Eu hesitei novamente e, não muito seguro, disse: - É a melhor coisa que podia me acontecer.

Pedro parou com o hambúrguer a caminho da boca, enquanto eu tomava um gole de coca.
-Peraí, o que tá faltando? Qual é o problema? Cara, tu tem uma gata que é você na versão feminina e que quer ficar com você!

Eu comecei, meio envergonhado:
-Sei lá, eu... Eu tenho medo de a gente ficar junto e isso afetar a nossa amizade. Não só a minha e a dela, mas a de nós 3 também. Além disso, se a gente acabar brigando, o clima vai ficar insuportável. E é bem capaz de eu decepcionar ela, eu não sei nem o aniversário dela, ou...

Pedro interrompeu, largando o hambúrguer na mesa e balançando a cabeça, revoltado:
-Cara, tudo o que você tem que fazer é ficar com ela, fazer ela rir e proteger ela, nós não estamos num parque de diversões, nós estamos numa invasão de zumbis. É só salvar a vida dela umas duas vezes e ela já vai querer dar pra ti!

Eu me estressei, me levantei, gritando:
-Olha como você fala da Vany! Ela não é uma vagabunda, ela não é vulgar, ela não é uma galinha! Ela é uma das coisas mais maravilhosas que já me aconteceu e eu gosto tanto dela que tenho medo de perder! Se você falar mais uma dessas coisas sobre ela, eu não vou tomar responsabilidade sobre meus atos!

Pedro disse:
-Então você ama ela?

Eu respondi, furioso:
-Sim, porra!

Pedro disse, com um arzinho superior e um sorrisinho besta na cara:
-Então devia ser o suficiente.

Só aí eu percebi que ele tinha feito toda essa provocação pra me fazer perceber. Eu amava ela e isso bastava. Eu sei que pra quem estiver lendo isso pode parecer tudo muito precipitado, mas vocês não fazem ideia do que eu já passei com a Vany antes de a invasão começar. Víviamos um no apartamento do outro, eu conheci ela durante a mudança. Os pais viviam brigando, mesmo depois de separados e usavam ela pra se voltar um contra o outro. Os meus pais faziam a mesma coisa. Então ela resolveu ir morar com a avó, que vivia no 1802 e sempre foi muito animada. Ela chegou lá completamente depressiva e eu e a avó dela tivemos o trabalho de alegrá-la. Juntos, nós descobrimos como suportar esse tipo de dor familiar e, assim, nós nos tornamos quase irmãos, mais do que amigos. Vivíamos juntos. O tempo todo. Se ela ia mal em alguma matéria, eu ia ajudá-la e se eu tinha uma peça no teatro e não conseguia decorar as falas, ela ensaiava comigo. Nós já passamos a pé pelo Drive-Thru desse mesmo MacDonald's, por que estávamos atrasados demais. Eu lembro que saímos correndo rua abaixo derramando guaraná e Big Mac pelo caminho e em nós mesmos. Nem me lembro pra que estávamos atrasados. Ela gostava das mesmas músicas, jogos, brincadeiras, programas de TV e até dos mesmos livros que eu. E era por isso que eu tinha medo. Medo de perdê-la. De acabar com a nossa amizade caso algo mais sério se quebrasse. E foi aí que eu ouvi ela gritando por socorro.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Capítulo 15- Novo Começo

Depois da poeira baixar, nós olhamos em volta. O que uma vez fora um bairro respeitável da classe média brasileira, agora era um resto de entulho. O bairro era basicamente residencial, mas haviam algumas lojas ali, que não estavam ocupadas e foram poupadas. Eu percebi que o Mercadorama em frente à minha casa fora detonado. Era aberto 24 horas. Droga, devia ter sido evacuado precariamente. Mais à esquerda, uma das únicas construções visíveis e firmes, um McDonald's se erguia; no momento, rimando com salvação.
Nós fomos até lá com um pouco de dificuldade. As portas estavam fechadas e trancadas. As grandes e pesadas portas de alumínio, abaixadas. Felizmente, uma das janelas havia rachado com a explosão ou algum estilhaço e nós conseguimos quebrá-la com o taco de beisebol. Então nós tiramos os pedaços de vidro que ficaram grudados na moldura com uma certa dificuldade e pulamos para dentro. Tive que ajudar o Pedro. Assim que passamos pelo estreito buraco, ficamos em quase completa escuridão. Após alguns curtos minutos, os nossos olhos se acostumaram e pegamos uma mesa e colocamos enfiada na janela para bloquear a passagem. Eu e o Ivan cuidamos disso enquanto Vany cuidava do ferimento de Pedro. Na verdade, ela estava reclamando mais do que ele e teve que ir ao banheiro para vomitar três vezes.
Então, nós começamos a explorar o local, deixando Pedro descansar. Descobrimos algumas facas extremamente interessantes, além de um cutelo. Toda a comida era extremamente perecível, então nós decidimos comer dela mesma quando chegou a hora, assim não desperdiçaríamos nada. O dia foi bem parado, na verdade. A gente manteve as portas de alumínio abaixadas e nos revezávamos para trocar o curativo de Pedro. A bala tinha atravessado a perna dele e ele estava perdendo muito sangue, mas pelo menos ela não tinha ficado presa lá dentro. Nós limpamos o ferimento do melhor jeito que deu e tentamos estancar por dentro com algodão e álcool. Imagino que não tenha sido uma experiência nada agradável para o Pedro e provavelmente ele nunca mais andaria de novo com aquela perna. E era culpa minha.

***

Eu estava sentado atrás do balcão, de costas para ele. A Vany passou por cima no balcão e se encolheu do meu lado. Nós já havíamos conversado sobre o que tinha acontecido com as bombas. E o que tinha acontecido no elevador. Ela só se encolheu do meu lado e nós ficamos assim, agarrados, quietos, sentindo a respiração calma um do outro. Eu tinha ficado mal e parecia que ela sabia disso. E ela não chegou tentando conversar e nem dizer nada. Ela ficou ao meu lado, quieta, a cabeça em meu peito, meu braço atravessado por cima de seu corpo, segurando a sua mão, que acariciava a minha delicadamente. Pedro e Ivan conversavam ao lado de fora, mas eu não estava prestando atenção. Ela deitou no meu colo, meio inclinada, a cabeça por cima das minhas pernas dobradas. E foi aí que aconteceu.
Eu posso ser educado, inteligente, delicado, romântico e sentimental, mas, em minha defesa, tenho a dizer que, acima de tudo, sou homem, e adolescente. Eu podia estar num momento sentimental, bonito e, ao mesmo tempo tenso e ameaçador, cheio de preocupações e problemas na cabeça, mas ainda assim... O fato é, a Vany tem um corpão, como já indiretamente mencionado antes. E eu, como o garoto de 15 anos que sou, não resisti. A carne é fraca. Ela estava usando um top de alcinha rosa com um decote grande, mas tinha um casaco por cima. Como estava calor durante o dia, além do mais num ambiente fechado como aquele, ela tirou o casaco e agora o decote dela me chamava, hipnotizante. Do ângulo que eu tava, dava pra ver quase que toda a parte superior dos seios dela e um pedacinho do sutiã. Agora, escrevendo, eu me sinto uma besta. Mas na hora eu não pensava nisso. Estava (quase que literalmente) babando em cima dela. Hipnotizado. E ela reparou. E eu reparei que ela reparou. E ela fez uma das últimas coisas que eu esperava que ela fizesse. Ela deu um sorriso e uma risadinha e subiu, ficando com o rosto na altura do meu, muito perto. Ela sentou no meu colo, virada para mim, com um sorriso no rosto, fazendo aparecer as duas covinhas que eu gostava tanto. Seus olhos se estreitaram e ela ficou com uma expressão astuciosa.
-Eu reparei que você tava me olhando- Disse ela, ameaçadora.

Eu engoli em seco tentando arranjar uma maneira de escapar daquela.
-Olha, eu...

Ela encostou o indicador na minha boca, me silenciando. O calor do dedo dela contrastava com o frio do anel metálico que ela usava. Ela continuava com aquela expressão de sagacidade que ela fazia tão bem.
-Eu me senti elogiada...- Ela deu uma risadinha- Afinal, isso deve significar que você me acha atraente...

Eu arregalei os olhos. Estava estático, surpreso. Eu tinha imaginado milhares de desfechos pra situação e esse não era um deles. A maioria incluía ela me perseguindo com um taco de Bet's. Então eu tomei o controle da situação. Ela estava me dominando e era hora de virar o jogo. Eu rolei para o lado, derrubando ela no chão e ficando em cima dela, segurando seus braços. Ela se surpreendeu também e perdeu o fôlego. Antes que ela o recuperasse, eu a beijei. Com paixão, quase com força. Por um momento ela ficou parada e nessa hora eu pensei "Ai, fudeu" e aí eu comecei a tremer e fraquejar, mas aí ela retribuiu, delicadamente. Eu soltei os braços dela e ela pousou a mão sobre meu ombro enquanto deitávamos lado a lado e o beijo ia se tornando mais romântico e delicado. No final do beijo, ela passou os braços pelo meu pescoço e deu mais três selinhos adicionais, curtos. Eu sentia frio, no meu corpo todo. Arrepios percorriam minha pele e eu sentia o coração dela disparado, seu corpo colado ao meu. Eu olhei para ela e ela sorriu para mim, os olhos levemente aguados. Como eu não percebi? Agora era óbvio. Ela gostava de mim, ela REALMENTE gostava de mim. Sempre dizem que o cara é o último a saber. Eu sou uma besta. Ela deu uma risadinha. E me deu mais um beijo rápido e aí eu olhei e vi Pedro, encostado no balcão, um sorriso superior rasgando sua cara em dois, a mão apoiando a cabeça. A Vany viu também, tomou um susto e saiu correndo. Eu disse:
-Peraí, calma...

Pedro continuava com aquele sorrisinho irritante. Eu me levantei e perguntei:
-O que foi?

Ele só ficou olhando, sorrindo. Depois de um tempinho ele disse;
-Nada...

Eu me virei e fui atrás da Vany, mas ele me chamou:
-Hugo!

Eu perguntei, irritado:
-O que foi?

Ele apontou para a minha boca e disse, rindo um pouco:
-Tá sujo de batom...

Eu mostrei o dedo pra ele e fui atrás da Vany.