sábado, 19 de dezembro de 2009

Capítulo 10- Coisas Simples

Aí a gente fez uma coisa que parecia que era coisa de outro mundo, mas achamos seguro. As portas estavam seguras, estávamos fortemente armados (relativamente falando) e todos nós conhecíamos o apartamento muito bem. Enfim, nós entramos no banheiro para tomar banho, um de cada vez, os outros ficando de vigia na sala. Era um mártir ficar com uma televisão na nossa frente sem poder usá-la. Ficamos jogando cartas e conversando, principalmente. Quando a Vany (que foi a primeira) foi tomar banho, a gente começou a conversar.

-Cara, a gente vai pegar mais coisas no apê da Vany. Se no meu tinha tanta coisa assim, no dela vai ter muito mais!-Eu disse.

Ivan respondeu:

-É verdade, a gente pode achar mais comida para estocar aqui, assim, sempre que precisarmos, poderemos voltar aqui para mantimentos.- De repente, Ivan arregalou os olhos- Ei! Eu tive uma ideia... Ah, não, é muito ruim. Arriscaria nossas vidas.

Pedro disse, irritado:

-Fala, Ivan!

Ivan começou:

-Bem... É que, se no seu apartamento tem tanta coisa... Nos outros apartamentos pode ter muito mais. A gente devia vasculhar outros apartamentos, não só o seu e o da Vany. Na verdade, a gente devia caçar cada zumbi desse prédio, pra tornar ele completamente seguro pra nós. E quem sabe a gente ache algum outro sobrevivente, ou armas melhores, vamos conseguir estocar comida. Enfim, eu nunca ouvi falar de um zumbi que soubesse pegar elevador ou subir escadas altas. Se a gente eliminasse os do prédio, a chance de algum outro aparecer e efetivamente nos ameaçar seriam bem baixas.

O Pedro sorriu e disse:
-Eu me voluntario pra caçar esses putos.

Eu ergui a mão também:
-A coisa que eu mais quero é destruir o máximo desses malditos enquanto eu estiver por aqui. Ivan pode ficar por aqui com a Vany, assim um cuida do outro e se a gente acabar se ferrando, ainda sobra alguém do grupo.

Um silêncio se fez. Eu tentei não parecer preocupado ao dizer isso, mas era impossível não me preocupar por dentro. Eu poderia estar pulando para a morte. Mas eu tinha feito minha decisão. Mesmo que eu fosse morrer, eu iria lutando, levando o máximo possível deles junto comigo. Esses malditos eram a causa disso tudo. Não eram naturais. Iam contra tudo o que eu acreditava e tudo que fazia sentido pra mim até hoje. Eu tinha ódio deles. Porque eles destruiram a vida de famílias, mataram pessoas inocentes. Porque os seus vírus estavam dentro de nós. Por causa disso tudo, o que eu mais queria era estourar as cabeças deles. Acho que nunca tinha odiado nada tanto assim em toda a minha existência.
Começamos a planejar direito a ação. Ficamos pensando. De dia, poderíamos ver eles e ser vistos com maior facilidade, enquanto de noite, o contrário. Decidimos ir de dia. Não devíamos levar todas as armas, pra que eles pudessem se defender se acontecesse algo. Devíamos combinar uma batida pra que eles soubessem que éramos nós e abrissem a porta pra gente. Enfim, um monte de detalhes que ficaram mais ou menos resolvidos até a Vany terminar o banho e aparecer na sala com uma toalha enrolada no corpo e outra na cabeça, envolvida em nuvens de vapor, dizendo:
-O próximo na fila pode entrar.

Todos correram para lá, mas eu cheguei primeiro e tranquei a porta do banheiro. Entrei no banho e deixei a água quente bater nas minhas costas e no meu rosto. Como era relaxante. Não tinha passado nenhum dia e eu já tinha me esquecido de como era tomar banho. Eu fiquei um tempão enrolando no banho. Me perguntei mentalmente por que os militares não desligaram a água e aí eu lembrei que eles ainda estavam evacuando o bairro hoje, portanto ainda deveria ter água em todo o lugar. Saí do banho, mas não tinha toalha: A Vany tinha levado as duas. Droga. Eu destranquei a porta e chamei a Vany, me escondendo atrás da porta. Ela ainda estava vestindo as duas toalhas, eu só deixei a cabeça pra fora do banheiro e disse:
-Ahm... Toalha?
Ela fez uma cara de "Ah é..." e começou a rir e depois me entregou a toalha que estava usando no cabelo. Eu me sequei, botei uma roupa e saí do banheiro. Passou por mim, correndo, Pedro, indo em direção ao banheiro. Eu senti aquele frescor pós-banho. Podia ter sido o último banho da minha vida. Eu estremeci e perguntei para a Vany:
-Por que você não põe a sua roupa?

Ela reclamou:
-Tá muito suja. E além do mais, toda rasgada.

Eu pensei um pouco e fui pro quarto do meu irmçao. As roupas da minha mãe eram muito pequenas pra Vany, porque a Vany era muito mais alta que a minha mãe, mas meu irmão era maior que todos nós, por isso, apesar das minhas roupas não servirem nela, quem sabe as dele serviriam. Ela teria que se contentar. Eu peguei um casaco mais levinho porque estava meio frio e entreguei pra ela, além de calças, uma camiseta e um cinto. Ela se refugiou no quarto dele. Voltou vestida. Foi engraçado ver roupas tão grandes nela. Ela deu um sorriso enorme e pulou em cima de mim, dizendo:
-Brigada, Guinho. Você é um amour (Ela gostava de colocar "u"s em amor).

E me deu um beijo na bochecha. Eu sorri e perguntei, ficando sério:
-Eles já te disseram da ideia do Ivan?

Ela assentiu. Eu perguntei:
-O que você achou?

Ela disse:
-Tudo bem, desde que vocês dois voltem inteiros. É uma boa ideia.

Nós fomos para a sala e encontramos o Ivan assistindo TV sem som. A gente arregalou os olhos e começamos a dançar e a cantar enquanto abraçávamos o Ivan e ríamos muito.
-Ivan, você é um gênio!
Ivan disse, confuso:
-O que foi? Eu só fiz o óbvio.

A gente continuou assim e o Ivan logo foi tomar banho quando Pedro saiu.
***
Algum tempo depois, após vermos as notícias e descobrirmos que mais um número enorme de pessoas tinham sido infectadas (O nº foi mostrado na tela), resolvemos desanuviar e assistir alguma coisa mais leve, para passar o tempo. Eu servi a todos nós de refrigerante e nós assistimos ao DVD do Harry Potter e a Pedra Filosofal que eu tenho em casa, com legendas. Eu e a Vany éramos friorentos, então passamos o filme embaixo de uma coberta, no sofá grande, enquanto Pedro e Ivan sentavam-se no pufe e na poltrona, respectivamente. Eu senti falta de passar um tempo assim com a Vany, fazia tempo que a gente não fazia esse tipo de coisa que nem eu sei se era de casal ou de amigos. A gente passou o filme todo abraçados debaixo das cobertas, enquanto eu e ela brincávamos um com o outro, nos provocando, cutucando, irritando. A gente precisava aproveitar esses momentos que iriam acabar se tornando mais raros, nós sabíamos. A gente precisava aproveitar esses momentos simples, mas que faziam toda a diferença. A gente precisava aproveitar a vida enquanto a gente ainda a tinha. Enquanto ainda não éramos cadáveres ambulantes, coisa que poderíamos ser amanhã, ou hoje mesmo. Valia mais à pena aproveitar esses momentos do que garantir a segurança. Pelo menos é isso que eu acho.