quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Capítulo 18- Festa

Eu acordei não sei quanto tempo depois. Senti aquele gosto horrível de saliva parada na boca. Eu estava num quarto pequeno, dormindo num colchão jogado num canto. Precisava beber alguma coisa. Eu balancei a cabeça tentando ajeitar meus pensamentos. O quarto estava uma bagunça. Sentado em uma cadeira em frente à escrivaninha, o homem estava olhando alguma coisa. Ele pareceu não perceber que eu tinha acordado, porque estava murmurando:
-...lembram tanto você... Você... Você ia gostar deles...- Ele estremeceu e eu percebi que ele estava soluçando. De repente, ele se controlou, balançou a cabeça e colocou a foto que estava olhando na escrivaninha de novo. Não dava pra ver de quem era àquela distância. Ele fungou e depois beijou a mão e colocou na foto, completando- Espero que esteja a salvo.

Ele se levantou e saiu do quarto, eu me fingi de morto. Depois de um tempo, eu levantei e, ao lado do meu colchão, encontrei um copo com leite e uns biscoitos, que comi com vontade. Levei o copo com leite até a escrivaninha e comecei a olhar para os papéis. Eu tinha ficado irritado com o cara, mas agora já tinha passado a raiva. A maioria eram relatórios médicos, o último era uma carta, com a data de 4 dias atrás. Eu dei uma olhada rápida:

"...a paciente Raquel Almeida Rzepkowski foi diagnosticada com um novo vírus desconhecido e, após alguns testes terem sido realizados, desapareceu..." Eu olhei, a carta estava com o símbolo oficial do Centro Psiquiátrico Francisco Saldanha. Eu peguei a foto e tomei um gole de leite. A foto mostrava uma garota de 13 anos, mais ou menos, cabelos castanho-avermelhados e olhos azuis, com sardas no rosto. Ela tinha um sorriso de orelha a orelha e estava abraçada com o homem e uma outra mulher. Provavelmente pai, mãe e filha. A mulher era ruiva, bonita e tinha sardas, o homem tinha o cabelo castanho claro e bagunçado, barba malfeita e uma barbixa, mas era jovem. Ele era alto, magro e musculoso. Eu vi, na escrivaninha, um distintivo da Polícia Civil. Eu coloquei o copo num canto da escrivaninha de madeira escura e saí do quarto. O quarto dava num corredor estreito e mal iluminado. De um lado, uma porta levava a uma sala com TV, do outro, uma cozinha e, no final, trancada, havia uma 4ª porta e uma escada. Eu voltei para a cozinha, onde o homem estava se abaixando para tirar alguma coisa do forno. Pizza. Hmmmm. Pedro estava sentado com a perna esticada em uma cadeira, Ivan estava sentado também, conversando com ele. Eu bati na porta e, meio que com um sorriso, disse:
-E aí, quem pediu um Hugo?

Ivan e Pedro sorriram e o cara colocou a pizza na mesa, meio envergonhado. Ivan me cumprimentou meio de longe e o homem disse:
-Escuta, eu... Eu só fiz aquilo por que você tava em pânico. Se a gente voltasse lá, pior... Se você voltasse lá sozinho...

Eu interrompi:
-Eu estaria morto, eu sei. Mas tá doendo- Eu dei um meio sorriso.

Ele sorriu de volta e chegou mais perto, estendendo a mão:
-Hugo, né? Eles me falaram. Ricardo.

Eu apertei a mão dele, meio tenso, mas tentando não deixar transparecer. Ele meio que riu e começou a dizer:
-Olha, cara, eu... Eu fico irritado muito fácil... Eu sei que tenho esse problema, mas eu tenho tentado controlar... Mas geralmente eu sou bem tranquilo... E aí, tá com fome?

Eu sorri:
-Muita.

Sentamos para comer a pizza. Enquanto isso, fomos contando para ele o que tínhamos passado, às vezes precisando de ajuda para lembrar, às vezes nos enrolando um pouco, mas contamos, enfim. Ele ouviu tudo atentamente, fazendo alguns comentários e perguntas de vez em quando. Nós terminamos o jantar e ele disse:
-Agora eu entendi porque você queria voltar pra pegar ela- E deu uma piscadela.- Me digam uma coisa, o qeu vocês acham de tirar a noite de hoje para relaxar?

A gente se empolgou. Ele disse:
-Tem cerveja na geladeira...

Nós rimos. Ele pegou uma cerveja e abriu, levantou-se, foi até a sala e colocou uma música e voltou tomando cerveja. A gente conversou um monte, rimos com as histórias dele. Ele contou que uma vez tinha ido acampar com os amigos e tinham esquecido as barracas. Eles invadiram uma casa e dormiram na sala. No dia seguinte, o dono da casa chegou de viagem e pegou eles dormindo. Eles conversaram com o dono e pagaram um aluguel mixuruca porque ficaram amigos dele. Enfim, ele contou vários causos da juventude e nós contamos umas histórias. Pedro falou da vez que Ivan ficou preso no banheiro do ônibus escolar e eu lembrei de como eu fiquei conhecendo eles. A gente conversou a noite inteira e depois fomos dormir, leves, felizes, distraídos. Ele ficou de vigia a noite inteira, olhando pela janela, tomando cerveja da garrafa e com um olhar meio perdido.