quarta-feira, 30 de junho de 2010

Capítulo 31- Negociação

No mesmo exato momento em que me viu, começou a chorar. Eu segurei ela e ela começou a espernear, chutando para os lados, tentando escapar. Eu abracei ela com força e murmurei alguma coisa como "Calma, eu não vou te machucar". O fato de uma criança estar sozinha numa casa rodeado por malditos zumbis no meio de uma cidade infestada e deserta me atingiu como um soco e, enquanto eu tentava acalmá-la, tentava, por dentro, me acalmar também. Conforme ela parava de espernear e começava a se confortar em meu ombro, deixando todo o seu medo se esvair em lágrimas para (provavelmente) a primeira pessoa de verdade que ela via desde o começo da invasão, eu começava a me preocupar mais e a sentir meu estômago afundar pensando nas implicações que minha atitude traria. Eu não podia deixá-la ali! O plano teria que mudar, teríamos mais uma boca para alimentar. Quem sabe seria melhor abortarmos toda a missão. Não, a Vany já tava dentro do Walmart, provavelmente esperando por mim. Como é que ia ser? "Oi Vany, tudo bem? Eu despistei os zumbis, mas achei isso aqui no lixo *aponta a garota* e ela não parava de me seguir onde quer que eu fosse. Tentei despistar ela também mas não deu certo. Tentei até jogar ela nos zumbis, mas ela voltou." Eu quase ri. Precisava parar com essa mania de fazer piada em hora séria. E isso era sério, muito sério. Eu não podia tomar essa decisão sozinho, mas também não podia abandonar ela de novo. Claro! A não ser que os pais dela ou sei lá tivessem saído ou algo assim. Esperançoso, olhei fundo nos olhos dela e perguntei:
"Onde é que estão seus pais?"

Ela olhou para mim meio fungando e disse:
-Mamãe e papai foram embora quando os homens do exército vieram.- pausou um pouco e olhou para as mãos, talvez pensando se devia me contar mais. Continuou a falar sem nem levantar o olhar- Eles falaram pra eu me esconder bem que tudo ia dar certo e que Papai do Céu ia me proteger e eu fiquei com medo do escuro de dentro do baú que eu tinha me escondido e aí eu saí.

Quando ela terminou de falar, eu comecei de novo:
-O que que você têm comido?

Ela falou baixinho:
- Leite e bicoito

Ela não pronunciou o "S". Meu Deus, ela era muito pequena!
-Quanto anos você tem?
Eu perguntei.

Ela pensou um pouco e me estendeu quatro dedinhos magrelos. Eu arregalei os olhos, então balancei a cabeça. Eu olhei pra ela e falei:
-Você tá com fome né? Olha só. Vamos fazer o seguinte. Eu vou te levar pra minha casa e...

Ela me interrompeu, gritando:
-Não! Mamãe disse pra eu não confiar em estranhos! Você pode ser mau!

Eu sorri e disse:
-Tem razão, sua mãe tá certa. Você não pode mesmo confiar em gente que não conhece. Mas olha só, você tá com fome, né? Vamos fazer um combinado? Eu vou ajudar você a achar comida e vou preparar pra você. Só isso. Se você não gostar da comida, eu te deixo aqui de novo pros seus pais virem te buscar. Mas, se você gostar, você fica comigo e a gente procura seus pais juntos e eu te prometo que a gente acha eles. - Enquanto eu falava, os olhos dela se arregalavam de esperança. Estendi a mão e disse:
-Feito?

Ela assentiu com a cabeça, animada. Afinal, de um jeito ou de outro, ela ia ganhar uma refeição grátis.
-Ok, mas pra isso nós vamos ali pro mercado ali do lado e eu deixo você escolher o que quiser de lá.

Ela sorriu, meio incrédula de que poderia pegar o que quisesse. Eu repeti, pra reafirmar:
-Qualquer coisa.

Eu levantei e estendi a mão pra ela, mas, claro, as coisas estavam indo bem demais. Não, eu nunca podia ficar feliz por muito tempo. É pecado. É crime. Por isso que, quando eu estendi a mão pra ela pra ajudá-la a levantar, eu ouvi o som de alguém espancando a porta. Não eram sons de alguém batendo à porta, mas de alguém lançando seu corpo todo ao encontro da porta. Eu olhei pela janela, apesar de nem precisar fazer isso pra saber exatamente o que estava acontecendo. Os zumbis tinham invadido a casa.

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