terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Capítulo 7- Voltando para Casa

A noite caiu, mas a gente ficou com medo de acender as luzes da farmácia, porque poderia atrair alguém ou algo. A cidade parecia deserta. A gente foi andando sorrateiramente ladeando os arbustos, muros, se escondendo atrás de postes, ou se agachando. Acho que nunca tinha sujado tanto minha roupa. Quando chegássemos lá, ela estaria rasgada, suja, fedida e nojenta. Também, foda-se. Não vou ficar me preocupando com roupas. Melhor a roupa chegar lá assim do que eu. Enfim, nós fizemos um esquema assim: Uma pessoa ia na frente para olhar a cada esquina, avisando se era seguro, enquanto os outros três esperavam e olhavam tanto a frente quanto atrás. Não queríamos ser pegos de surpresa. Nem pelos zumbis e nem pela patrulha, que já devia estar começando. A gente se atrasou na farmácia tentando decidir o que levar de lá. Cada um levava na mão um kit de primeiros socorros, o que nunca é demais. As melhores armas que tínhamos lá eram as garrafinhas de vidro, mas elas provavelmente iam quebrar e iriam fazer muito barulho, se encostassem em algo. Então optamos por latinhas, que eram a segunda melhor opção. Nada a ver, mas imagine uma menina morena vestida com um topzinho rosa, uma saia escura, botas; um cara alto, magro, de cabelo comprido e loiro, vestido numa camisa vermelha e uma calça cinza; um cara magro, com cabelo preto espetado, com uma jaqueta preta, uma camisa cinza e uma calça jeans; um cara moreno, de cabelo enrolado curto, usando uma camisa preta com o capacete do Darth Vader e uma calça jeans; todos eles se arrastando no chão, segurando malinhas brancas numa mão e latinhas de refrigerante na outra, todos com cara séria. Eu tive que me segurar pra não rir ao pensar nisso. Foi aí que eu vi: a Vany estava se arrastando na minha frente e a gente tava quase chegando num lixo, aonde daria pra nos escondermos enquanto Ivan corria na frente pra checar se era seguro. No meio da perna da Vany, andando despreocupada, estava uma barata. Eu me desesperei, estendi a mão e toquei na perna dela. Ela parou e olhou pra trás, viu a barata e berrou. Eu tirei a barata da perna dela com um tapa, a barata saiu voando noite adentro. O berro da Vany ainda ecoava. Maldita barata. Nós quatro dos escondemos apertados atrás do lixo, daquelas quadradas, grandes e verdes. Uma formiga subiu na minha perna, fazendo cócegas enquanto andava e eu a esmaguei. Os insetos estavam contra nós também, era isso? O silêncio reinou por uns minutos e aí o Ivan resmungou:


-Por que você gritou?!





Eu olhei pra Vany e a Vany olhou pra mim. E aí a gente não segurou, começamos a rir, o mais baixo possível. Rimos muito e logo o Pedro e o Ivan começaram a rir junto sem nem saber o motivo. A gente riu baixo, e nos fez bem, porque fazia tempo que a gente não ria, mas isso atraiu a atenção de alguma coisa. A gente ouviu um carro, provavelmente grande, militar, dobrando a esquina e aí a gente se grudou atrás do lixão. Todas as risadas pararam abruptamente. A gente viu os faróis do carro passando e ouviu alguém engatilhar uma arma e perguntar:

-Alô? Tem alguém aí?



O silêncio da noite respondeu. Nada. Então uma voz diferente, feminina disse:

-Vamos embora, não tem nada aqui. A gente tem que voltar e terminar de evacuar nossas ruas. E se ouvirmos mais alguma coisa fora do nosso local de incumbência, ignore!



Ouvimos o carro partir. Meu coração batia forte no peito e eu suava muito. Nós ficamos grudados lá ainda uns minutos depois do carro ter ido embora. Aí a gente levantou, deu uma olhada em volta e voltamos à nossa cansativa jornada. Ninguém comentou nada porque ninguém queria fazer mais barulho.A gente foi andando pela rua, cuidadosamente, nos escondendo sempre que dava. Pouco tempo depois, chegamos ao meu prédio.



***


A gente parou na entrada do prédio. Tudo estava muito quieto. A gente ia ter que pular a grade. Jogamos os kits de primeiros socorros por cima da grade e ficamos em dúvida do que fazer com as latinhas, que por fim, rolamos por baixo da grade. Como eu conseguia pular sozinho, eu fui fazendo pezinho pra todo mundo e fiquei por último. Pelo menos esse era o plano. A Vany se recusou a receber pezinho, porque ela tava de saia. Ela pediu pra todo mundo virar pro outro lado e o Pedro disse, com um sorriso:

-Não.


Ela se estressou e eu e o Ivan começamos a rir, enquanto o Pedro fazia uma voz fininha e dizia:

-Não quero.


A Vany olhou nos olhos dele, pela grade, e disse:

-Vira logo, eu vou ter que subir sozinha e não quero ninguém olhando!


O Pedro cruzou os braços numa pose infantil e disse, com a mesma voz zombeteira:

-Não.


A Vany falou:

-Ah, Pedrusca....


Pedro sorriu. Iavn ria e tossia, como ele sempre faz quando ri. Eu só ria. A Vany virou pra mim e fez beicinho, se inclinando e colocando a mão no meu ombro:

-Guinho...-Era assim que ela me chamava- Faz o Pedro parar...


Eu ri, afastando a mão dela e dizendo:
-Eu não, resolvam vocês.
O Pedro se mostrava irredutível e todo mundo, no fundo no fundo, estava gostando, até a Vany. Mas ele simplesmente não parava. Eu falei:
-OK, Pedro agora chega, vira pra trás, vira. Na moral.
Pedro reclamou:
-Não, cara.
Ivan falou:
-Pedro, vira pra trás.
Pedro disse:
-Cala a boca, Ivan.
E aí virou pro lado, reclamando. A Vany subiu e eu olhei pro outro lado, tentando não me sentir desconfortável naquela situação. Ela não conseguiu subir. Ela reclamou e veio de novo pra cima de mim:
-Guinho...
Eu respondi:
-Eu prometo não olhar.
Ela ficou com um sorriso encabulado, enquanto o rosto dela ficava vermelho rapidamente. Eu me abaixei e entrelacei os dedos, olhando para o chão. Ela pôs o pé em cima da minha mão e eu perguntei:
-Pronta?
Ela assentiu, dizendo:
-A-hã...
Eu levantei a mão e continuei olhando pro chão. Eu fiquei olhando pro chão e ela subiu, passando por cima da grade e caindo do outro lado. Então ela disse, com uma voz animada:
-Já podem olhar!
Eu tirei os olhos do chão e comecei a escalar. A eu cheguei até o topo, passei a perna para o outro lado e disse:
-Vamos.
Aí a Vany pulou em cima de mim, passou os braçoes por trás do meu pescoço e me deu um beijo na bochecha.
-Obrigado- Disse ela.
Eu disse:
-Nada...

E começamos a subir os degraus até a portaria. Foi aí que eu me toquei. "A guarita".Eu voltei rapidamente e procurei na guarita por algum item últil. E eu achei o controle remoto do portão. Eu fiquei parado boquiaberto com aquilo na mão, enquanto a gente voltou a rir. Depois a gente foi andando pra dentro do prédio, os quatro, lado a lado. O fato é que todas aquelas risadas tinham levantado o nosso astral. Fazia muito tempo que a gente só chorava e agora a gente tinha percebido que, apesar de estarmos naquela situação, a vida ainda era a vida. Muita coisa tinha mudado, mas muita coisa continuava igual. E é assim que são as coisas.