segunda-feira, 29 de março de 2010

Capítulo 25- Sobre a Morte

Eu só conseguia lembrar de um texto que eu tinha feito pra uma amiga minha quando seu cachorro tinha morrido. Todas aquelas palavras melosas de consolo, todas as frases feitas. Só agora eu percebia o quanto tudo aquilo era ridículo quando posto ao lado da dor de uma morte. Eu tinha pensado várias coisas nas últimas horas: Que eu não devia chorar, que a vida, principalmente a vida que eu estava levando, era muito curta, que chorar pela morte de alguém é extremamente egoísta, porque, na verdade, a gente não chora por causa da pessoa, porque ela morreu. Choramos porque ela deixou de viver, porque NÓS não vamos mais vê-la. Porque NÓS vamos sentir sua falta... E a dor que a pessoa sentiu, o fato de ela ter morrido? Ocultamos com frases como: "Ele está num lugar melhor agora". Lugar melhor o caralho. Isso é só a nossa impossibilidade de pensar na morte. Nós queremos continuar vivendo. E por isso, criamos crenças, religiões, ideias, de que a vida não acaba após a morte. E o melhor de tudo: Não dá pra provar o contrário. Como você vai saber? Você já morreu? Na verdade, eu acho que, quando você morre, você simplesmente deixa de existir. Mas, como esse conceito de inexistência é inconcebível para nós, a gente quer continuar acreditando nela. Perceba, o conceito é tão absurdo, tão abstrato quanto cegueira pela falta de córnea. Quando a pessoa é cega por algum outro motivo, ela enxerga (na maioria dos casos) tudo preto. Absolutamente tudo preto. Preto é a ausência de cor. Cor é a luz sendo refletida. Portanto, as pessoas cegas, em sua maioria, tem algum problema que impede a chegada de luz às suas córneas. É como se estivessem permanentemente com os olhos fechados. Agora, quando a pessoa não tem a córnea por algum motivo qualquer, ela não enxerga absolutamente nada. Nem o preto. Nem branco. Nem cor nenhuma. Nem porra nenhuma. Ela enxerga tanto quanto seu dedo. Pra quem tem a visão saudável, isso é inconcebível. E pra quem existe, a inexistência é inconcebível. Não é ver só preto, sentir o nada, ouvir só silêncio, sentir o gosto de nada e o cheiro de coisa nenhuma. Isso tudo, é preso à nossa existência. Sentir o nada é como estar flutuando no ar... Mas então você está sentindo o ar. Ouvir o silêncio é o silêncio que nós conhecemos. O gosto de nada é o gosto da nossa própria boca, ou do ar. O cheiro de nada não existe. Tudo tem cheiro. Quando você não existe, você não vê, você não sente, você não ouve, e você não cheira. Você simplesmente não existe. E, quando você, leitor, morrer (claro, SE eu estiver correto, ainda há a possibilidade de as hipóteses espirituais estarem certas), você não vai nem chegar a saber como é, porque você não vai existir! Você não vai sentir falta de fazer essas coisas, porque você não vai ter como raciocinar e nem ao menos experimentar a inexistência. Pra você experimentar alguma coisa, é requisito básico que você exista... Eu precisava colocar essas ideias registradas em algum lugar, ou então isso ia ficar ecoando na minha mente, me lembrando constantemente da morte do Ivan, me perturbando eternamente. O próximo capítulo vai ser em homenagem a ele. É o mínimo que eu posso fazer...

quarta-feira, 24 de março de 2010

Capítulo 24- O Mensageiro da Morte

Pouco depois, ela disse que ia tomar um banho, pois fazia tempo que não tomava um. Desde que fugira, pra ser mais exato. Ela estava suja de lama, cheia de escoriações, com o cabelo nojento, além de uma roupa larga e fedorenta que desagradava os olhos. E então ela entrou. Enquanto isso, eu procurei as chaves (estavam perto de onde ficava a porta da frente. Ainda bem que o maldito que tava roubando a casa não reparou) e chequei a porta do quarto dela, verificando que estava trancada e que ninguém havia mexido lá dentro. Aliviado, eu esperei até o momento que ela começou a bater na porta do banheiro, chamando meu nome. Eu corri para lá, batendo em resposta e perguntando o que havia acontecido e ela disse que tinha esquecido a toalha. Irritado, peguei a toalha e voltei para a porta do banheiro, a qual ela abriu, exibindo um braço pálido e molhado, deixando escapar algumas nuvens de vapor. Dei a ela a toalha e, alguns minutos depois, ela saiu, enrolada na toalha, lentamente em direção ao quarto. Dentro de pouco tempo, ela estava saindo do quarto, vestida com uma camisa leve, clara e calças jeans. E com um sorriso de orelha a orelha. Ela me abraçou e disse:
-Meu quarto continua igualzinho. Graças ao meu pai e a você. Obrigada.

Confuso, eu respondi:
-Peraí... Graças a mim?

Ela assentiu:
-Você tava com as chaves. Podia ter entrado lá e mexido no que quisesse, mas não fez isso. Deixou ele do jeito que estava.

Eu engoli em seco, lembrando da manhã desse mesmo dia (que agora já virava noite), quando eu mexi em todas as coisas dela para tentar conhecê-la melhor. Eu tinha ganhado a confiança dela. Essa confiança era baseada numa mentira, mas o que eu ia fazer? Sair do abraço dela, dizer "Pára tudo" e explicar o que aconteceu? Pffffft. Aí a gente ouviu alguém gritando:
-Tem alguém aí?

Era uma voz rouca, masculina, eu me desvencilhei do abraço dela e olhei pela janela: Pedro. E mais uns 3 zumbis, um perto e dois mais longe. Ela virou e socou o zumbi, que não teve reflexo os suficiente pra mordê-lo, então caiu no chão, enquanto os outros dois se aproximavam. Eu desci e comecei a desmontar a barricada. A Raquel pegou as duas facas e eu disse pra ela:
-Assim que der, dá uma faca pra ele...

Ela assentiu, meio insegura, enquanto eu continuava a desmontar a barricada. Os outros dois se aproximavam cada vez mais. Já havia espaço para o meu braço. Eu pedi a faca. Ela hesitou. Eu peguei a faca da mão dela e dei-a para o Pedro, que pulou em cima do zumbi enquanto este se levantava com dificuldade. Ele estraçalhou a garganta do zumbi com a faca e os outros dois chegaram. O primeiro avançou com certa velocidade, mas Pedro enterrou a faca em seu peito e o jogou para trás, fazendo-o cair entre ele e a porta, que eu estava acabando de desbloquear. Peguei uma das cadeiras e dei com ela na testa do zumbi que já se levantava do chão. A cadeira quebrou. Pedro levantou-se rapidamente, fincando a faca no queixo do outro zumbi e apuxando violentamente para baixo, fazendo o zumbi cair já, bem... sem vida no chão. Pedro continuou a atacar o zumbi mesmo depois disso, esfaqueando-o, gritando, chorando e tremendo. Eu só interrompi ele por causa dos gritos, que iriam atrair mais zumbis pra lá. Mas enquanto eu tentava arrasta-lo para longe, ele continuava gritando e tentando destroçar o cadáver no chão, mais irritado do que eu jamais o havia visto. Eu o levei para longe e o prendi contra a parede, o que não foi nada fácil. Quando eu consegui fazer isso (Raquel já remontando a barricada) ele continuou a gritar, xingando os zumbis em geral. Eu dei um tapa violento nele. Ele parou. Então eu perguntei:
-Cara, o que aconteceu? Cadê o Ivan?

Pedro disse, ainda muito irritado:
-Eu que devia perguntar, Hugo maravilhoso, herói da invasão... Onde é que você tava quando a gente precisou de você!? Por que você fugiu? Você podia ter salvado ele, ter tido uma das suas ideias, sei lá...

Eu parei de ouvir nas palavras "salvo ele". Minha vista escureceu e eu perguntei:
-O quê? Como assim? O que aconteceu com ele?

Pedro me empurrou respondendo:
-Os zumbis pegaram ele, Hugo! E você nos abandonou! É culpa sua! É culpa sua!

Eu me deixei cair, sentindo o chão bater, duro em minhas costas. Mais duro que o chão era a realidade. Dura demais pra suportar. Eu tinha matado Ivan. Dura demais... Então meu cérebro apagou.

MERDA! CARALHO!

Pessoal, eu escrevi o capítulo inteiro, tinha ficado muito massa! Daí caiu a energia e eu perdi tudo! ¬¬'

Cara, ninguém sabe como eu to irritado agora! Só to postando isso pra vcs saberem que eu tô escrevendo... mas agora eu num escrevo de novo não... Só amanhã... PORRA!

quinta-feira, 18 de março de 2010

Capítulo 23- Encontro Surpresa

Eu tinha acabado de sentir a maior dor que eu ia sentir em toda minha vida. Isso, pelo menos, foi até eu começar a pensar direito. Eu tinha que me cuidar pra que aquilo tudo não infeccionasse. E, quando eu cheguei à casa de Ricardo, a porta caída no chão, eu entrei no banheiro e tranquei a porta. Então eu me despi. E aí eu tomei um banho. Toda a dor que eu tinha sentido pareceu banal. Eu gritei mais do que eu podia gritar. Chorei todas as minhas lágrimas. Mas eu aguentei. Não fugi. Terminei o banho e peguei os medicamentos numa pequena prateleira embaixo da pia. Me enfaixei com gaze e exagerei no spray anti-infeccionante. Coloquei a roupa de novo e saí, em dúvida sobre tentar construir uma barricada para a casa e esperar ou pegar as armas e fugir. Todas as minhas dúvidas foram interrompidas quando eu saí do banheiro.
Eu abri a porta e saí. Então eu vi uma garota bonita, mas maltratada, mais ou menos da minha idade, cabelos escuros compridos caídos por cima dos olhos, encostada na parede ao lado da porta, me olhando atentamente, uma faca erguida no ar. Ela hesitou: Provavelmente não esperava um garoto de sua idade saindo dali. Esse segundo de hesitação me deu a chance de segurar o antebraço dela firmemente contra a parede. Ela então me deu um chute na canela, que acertou meu ferimento recém aberto e recém tratado, fazendo eu me contrair de dor, soltando o braço dela. Ela me atacou com a faca, fazendo um corte dolorido no meu braço esquerdo. Dolorido, mas superficial, porque eu pulei para o lado, caindo no chão de lado e rolando, ganhando o equilíbrio novamente. Todo meu corpo doía lancinantemente. Eu me levantei rapidamente e ela avançou com a faca erguida. Eu não gostava da ideia de bater em uma mulher. Então eu precisava desarmá-la e imobilizá-la. Eu peguei o braço dela novamente, girando-o e prendendo-o sob meu próprio braço, fazendo, assim, a faca cair no chão. Então eu passei o outro braço por trás da cabeça dela, prendendo-a no vão dele. Ela assim ficava indefesa e eu podia conversar com ela. Ela perguntou:
-Quem é você?

Eu respondi:
- Eu que vou perguntar, OK? O que você tá fazendo nna minha casa?

-Sua casa?- Ela retrucou- Essa casa é a casa do meu pai!

Eu arregalei os olhos e soltei ela, dizendo:
-Raquel?

***

A gente conversou. Ela não me contou muita coisa, mas eu contei tudo pra ela. Eu fiquei sabendo que ela já planejava a fuga do Instituto muito antes de fugir realmente, mas não esclareceu os detalhes da fuga. E que tinha fugido muito antes de avisarem seu pai. E que tinham realizado testes nela muito piores do que avisaram. Enfim, tudo no tal Instituto parecia errado. Eu comecei a perceber que seu cabelo não era tão escuro, que aquilo era sujeira. E percebi também que ela viveu fugida assim desde que saiu de lá, antes de a invasão começar. Nós dois estávamos bastante desconfiados um do outro, porém foi bom achar um rosto amigo em meio à tudo aquilo que estava acontecendo. Mas dava pra perceber que ela ainda estava bastante fragilizada. Ela podia não ser louca, mas definitivamente não era normal. Racional, intelectualmente? Perfeita. Emocionalmente falha. Quando eu terminei de contar a minha história até o ponto onde estávamos, ela imediatamente levantou-se e disse:
-Nós precisamos encontrar meu pai!

E começou a ir em direção à porta. Eu demorei bastante tempo pra convencer ela a esperar por ele. E pelos meus amigos, Pedro e Ivan, que eu nem sabia como estavam. Ela demonstrou pouco interesse pelos meus problemas, mas ficava desesperada em relação ao pai. Eu conversei com ela, a gente construiu uma barricada juntos, na porta. E aí a gente esperou.

domingo, 14 de março de 2010

Capítulo 22- Sozinho

Cansado, ofegante e completamente sozinho, eu entrei pela porta da farmácia. Os pedaços de vidro caídos no chão estalaram sob meus pés. Eu sentia os machucados no meu corpo, sangue pingando misturado ás gotas de suor que escorriam pela minha carcaça. Sim, carcaça. Aquilo não era mais um corpo. Eu me sentia irritado, cansado, velho, tenso e nauseado. Mas, acima de tudo, eu me sentia triste. Tinha me sentido dessa maneira desde que fugi dos zumbis, ao ser mordido. Desde que corri, em pânico, abandonando meus melhores amigos à própria sorte no meio de vários zumbis. Fazia uns 20 minutos. Sem eles, eu e locomovia com mais facilidade, no meu ritmo, correndo, pulando, me escondendo tão facilmente quanto eu quisesse. E saber disso fazia com que eu me sentisse péssimo. Era como pensar que eles me atrasavam. "Pronto" eu pensei "Agora não tem mais ninguém te atrasando, Hugo. Você tá sozinho. Pela primeira vez, desde que essa maldita invasão começou, você está sozinho. Completamente sozinho." Eu derrubei alguns produtos das prateleiras de propósito. Eu tinha resolvido fugir e correr até chegar na farmácia, aonde eu daria uma olhada na mordida. Eu tinha reparado que o zumbi que me mordeu foi aquele que eu tinha quebrado parte da mandíbula. Parte. Ele me mordeu com a parte que eu não tinha detonado. Não sei se foi o suficiente. Eu lembro também que ele não mordeu com força. Nem tava doendo. Mas eu entrei em pânico. Tinha sido uma brecha, que podia ter resultado na minha morte. Precisava me preparar mais. Sempre melhorar, nunca está bom o suficiente.

***

Eu levantei a bainha da calça, meio escondido atrás do balcão. estava óbvio que a farmácia tinha sido saqueada. Vários remédios faltavam, entre outras coisas. Eu olhei. Não havia nenhum machucado. Nada. Suspirando de alívio, cheguei à conclusão de que provavelmente devia ter ficado a marca dos dentes do zumbi, pressionados, mas que já devia ter desaparecido. Ele não teve força pra entrar na minha carne. E isso me alegrou um pouco, mas agora eu precisava me reagrupar com eles. Não havia chances de sobrevivência ou qualquer outra coisa pra mim sozinho. E nem de achar eles na cidade. Eu precisava voltar para a casa de Ricardo. Eles voltariam para lá ao final do dia e tudo se resolveria. Assim, determinado, eu levantei e saltei o balcão.
***
Após alguns desvios de rota e momentos escondido, cheguei à entrada da casa de Ricardo. E a porta estava escancarada. Eu ouvi passos e vozes lá dentro. O único esconderijo perto da casa era uma árvore, alta, não muito grossa, mas estava muito perto, perto demais. Eu vi uma moto parada em frente à casa e percebi que provavelmente, ela estava sendo carregada com as coisas da casa. De repente, me ocorreu uma ideia. Eu subi na moto e procurei a chave. Nada. Merda. eu virei para voltar para a árvore quando eu percebi o cano de uma arma encostada na minha cabeça.
-Me dá um bom motivo pra não arrancar seu cérebro de dentro dessa tua cabeça com uma bala.
Eu olhei além do cano. Um homem, grande, olhos escuros, pele clara, cabeça raspada, jaqueta de couro, aparentando uns 35 anos, cavanhaque, cabelos pretos, grossas sobrancelhas e um cigarro meio caído num canto da boca. Eu tava irritado. Eu tava cansado. E eu tinha ficado mais irritado ainda com ele, por estar saqueando a casa do Ricardo. Eu falei, com mais coragem do que imaginei que conseguiria:
-Vai se foder! Eu não devo nada a você, eu tô nessa casa e você tava roubando as coisas dela, então me pareceu bem justo roubar uma coisa tua também. Mas eu me fodi. Você não. Vai embora logo, leva as coisas, só me deixa vazar também. Não fiz nada de errado.
Ele olhou fundo nos meus olhos e me deu uma coronhada violenta na testa, eu caí no chão. Ele me ergueu pelo colarinho com as duas mãos e me colocou em frente ao rosto dele:
-Você tem razão. Não fez nada de errado. Mas podia ter feito. Então que isso aqui sirva de lição pra você, garoto durão, pra aprender a nunca mais mexer comigo.
Ele me prendeu no guidão da moto pela gola e acelerou. Eu nunca senti tanta dor na minha vida. Minhas pernas quicavam no chão, meus braços se arrastavam no asfalto quente, deixando pele e sangue no caminho, minhas calças rasgaram e logo minhas pernas e joelhos também começaram a rasgar, aumentando a trilha de sangue e a dor esfolante que eu sentia. Eu ergui um braço com dificuldade, após recuperado do susto, e desprendi minha gola do guidão. Eu rolei pela estrada, sentindo porradas diferentes de cada direção imaginável enquanto o mundo girava ao meu redor. E, o pior de tudo, eu não desmaiei. Eu senti tudo. E continuei sentindo. E continuei sentindo, o sangue vazando de diferentes partes do meu corpo. As várias pancadas. O asfalto queimando minhas costas. O fôlego lentamente retornando, cada inspiração queimando seu caminho pelas minhas entranhas. Eu comecei a chorar. Chorei muito, pedindo ajuda a ninguém em particular. E ninguém veio ajudar. E aí eu levantei e, meio cambaleando, chorando, escorrendo sangue e tremendo de tristeza e ódio, eu comecei a caminhar novamente para a casa de Ricardo.