sábado, 12 de dezembro de 2009

Capítulo 3- A Primeira Vez

Eu entrei pela porta aberta pela Vany e ouvi um barulho estranho vindo do quarto. Um barulho de luta. Corri diretamente para lá, temendo o que eu ia encontrar. Eu não fazia ideia do que estaria lá e a ideia do zumbi na reportagem tinha realmente entrado na minha cabeça. Imaginei as cenas mais horríveis ao entrar no quarto. O que eu vi não ficou muito atrás. A vó da Vany se encontrava deitada no chão, respirando débilmente, a Vany chorando, descontrolada, terrivelmente assustada, caída ao seu lado. Mas obviamente minha visão se voltou diretamente para o atacante. Um homem. Pálido. Meu vizinho. Já o havia visto algumas vezes no elevador. Ele estava usando uma camisa social branca, rasgada no ombro, uma marca de mordida humana à mostra. Sua boca estava suja de sangue e sem alguns dentes. Em seu pescoço, uma agulha de tricô, de aço (que eu reconheci como sendo de Dona Valquíria, avó da Vany) estava fincada. Você já deve ter visto imagens ilustrando zumbis. Você já deve ter visto filmes com zumbis. Você já deve ter jogado jogos com zumbis. Todos nós também. Mas nada se comparou a ver um zumbi na nossa frente. Seus movimentos eram irreais, seu rosto com uma expressão animal. Havia algo que o diferenciava de uma pessoa normal, ou de uma foto. A gente sentia que ele não estava vivo. Não sei como, mas a gente sentia. Olhar naqueles olhos era como olhar nos olhos de um animal empalhado. Vazios. Causava uma sensação de desespero, um mal-estar terrível. Eu acho que nunca vou esquecer daquilo. Foi a primeira vez que eu vi um zumbi ao vivo e a cores. Pedro estava o prendendo contra a parede, o antebraço pressionando seu pescoço. Eu soltei um grito ao ver a cena. Pedro lutava contra o zumbi pelo controle da situação e eu tinha que fazer algo para ajudá-lo, mas... O quê? Eu percebi Ivan parado ao meu lado. Olhei para ele, esperando uma ideia, mas ele ficava olhando para frente como se são estivesse vendo nada.

Eu gritei, esperando uma resposta de quem quer que fosse:
-O que eu faço, porra?!
Pedro gritou em resposta:
-Pega a cadeira!
Eu olhei. Em frente à escrivaninha que ficava ao lado da cama de casal, havia uma cadeira, com um kit de tricõ em cima. Um kit que faltava uma agulha. Eu quase sorri. Quase. Peguei a cadeira e virei erguendo-a alto. Pedro largou o zumbi, saindo da frente e eu acertei a cabeça dele com um dos pés da cadeira. Os outros acertaram a parede e quebraram. O filho da mãe não parou. Ele tentou avançar em mim, mas eu coloquei o assento da cadeira na frente e derrubei ele. Me abaixei e peguei um dos pés da cadeira e pulei em cima do zumbi, cego de raiva e adrenalina. Lembrando com calma, foi pura sorte eu não ter levado uma mordida enquanto lutava para me sentar em cima do tronco do zumbi e prender seus dois braços. Acho que conseguie, em parte, pela sequela (qualquer que tenha sido) que a cadeirada deixou nele. Subi em cima dele e golpeei seu rosto com ferocidade. Estava cego. Meu braço ia e voltava, golpeando furiosamente. Eu chorava de raiva, as mãos tremiam enquanto eu quebrava os dentes, depois o nariz, depois o maxilar, o crânio e cada parte dura daquele rosto maldito. Eu continuei golpeando, sangue espirrando em minha camiseta e em meu braço. Eu ouvia o estalar dos ossos e só. Eu via o espirrar do sangue e mais nada. Eu nunca tinha ficado com tanta vontade de destruir algo na minha vida. Foi Pedro que, de repente, segurou meu braço. Eu levantei e, tremendo, vi o que eu havia feito. Uma piscina de sangue em volta de um resto de cabeça. Eu joguei a perna de cadeira fora. Olhei para minhas mãos. Corri para o banheiro. Naquele momento eu me esqueci completamente da avó da Vany morrendo, dos zumbis, dos militares. Eu cheguei no banheiro e tranquei a porta. Achei que fosse vomitar, estava tremendo. Eu gritei. O mais alta e longamente que meu fôlego permitia. Me lavei com nojo. Me olhei no espelho por vários minutos. Expliquei para mim mesmo que eu não tinha matado ninguém, que aquilo já estava morto, que eu tinha salvado meus amigos. Depois de pouco tempo, eu fui me acalmando e a ideia foi entrando melhor em minha cabeça. Eu tinha feito a coisa certa. Era hora de sair novamente.

Capítulo 2- O Cerco

Tudo começou muito rápido. As imagens e logo em seguida, helicópteros. Dava pra perceber que o problema era mais sério do que parecia. Que a mídia tinha abafado o caso. Dava pra ver pela janela os helicópteros pousando e, de longe, caminhões vindo. Soldados desciam dos helicópteros, todos armados com armas negras e ameaçadoras, provavelmente semi-automáticas. Um dos soldados pegou um alto falante e começou a gritar para os moradores do meu prédio:
-Atenção! Uma infecção nova foi registrada como perigosa. Há um foco localizado nesse bairro. Mantenham a calma! Vocês não estão autorizados a sair desse bairro e a equipe está aqui para realizar testes para descobrir os portadores do vírus, que serão imediatamente levados ao atendimento! Aqueles que estão saudáveis serão escoltados para fora daqui e poderão visitar seus parentes infectados mais tarde. Iremos fazer a chamada após cada verificação, andar por andar de cada prédio.-Percebemos que, na frente do vizinho, outro soldado dizia mais ou menos as mesmas palavras- Não queremos contato com aqueles que têm suspeita do vírus! Sair antes de seu número de chamada pode ser perigoso! Eu repito: Sair antes de sua convocação pode ser perigoso! Permaneçam onde estão e cooperem que tudo ocorrerá bem! Caso algum andar não coopere, nós temos ordens de invadir o andar e levá-los à força!

Eu sabia que havia algo de errado, mas não conseguia perceber o que. Ivan sentou-se e tentou se acalmar. Pedro começou a ficar impaciente: Ele não gostava de ficar esperando até que outros o dissessem o que fazer. Eu via ele se levantar e dar uma volta na casa, mexer nos armários, enquanto eu tentava, em vão, descobrir o que me deixara desconfiado dos militares. Ivan estava claramente tentando se controlar, mas suando muito e nervoso á beça. A Vany parecia em estado de choque, quando, de repente, ela arregalou os olhos e disse:
-A minha vó. Temos que subir para buscá-la. Ela deve estar desesperada!

Não precisamos falar mais nada. Como que num único instinto humano, fomos os quatro para a porta. Todos sentiram que deveriam subir juntos. Então, um pensamento me atingiu. Rapidamente, parei, antes mesmo de abrir a porta. Eu virei para eles e, olhando para o chão, eu disse:
-Não podemos ir.
A Vany começou a gritar:
-Hugo, isso não é hora pra brincar.-Ela tentou pegar a chave da minha mão, mas eu segurei a chave firme- Me dá essa droga logo, abre essa porta!
Ainda evitando olhar nos olhos deles, eu disse:
-Não.
Pedro suspirou.
-Como não?-Perguntou ele.
Eu olhei para os olhos dele, firme.
-E se o que a vó da Vany tiver for exatamente o vírus que os militares tão procurando?
A Vany me deu um tapa, ficando vermelha rapidamente. Uma lágrima caiu quando ela me acertou. Só uma. Ela murmurou, parecendo muito mais ameaçadora agora, falando baixo, do que antes, gritando:
-Hugo Mendes de Oliveira. Não se atreva a ficar no caminho entre eu e minha família.- Ela fez uma pausa e continuou- Não se atreva a insinuar que minha avó está em perigo. Me dá essa chave. - Eu hesitei- Me dá essa chave!- Eu entreguei a chave para ela. Claro, a avó dela poderia ter só uma gripe normal, mas seria muita coincidência, não seria? Ela me empurrou para fora do caminho e abriu a porta. Eu estava muito confuso para me preocupar se eu tinha sido insensível. Extremamente insensível. Agora que escrevo isso eu percebo como eu fui idiota. Nem percebi Pedro e Ivan passando por mim. Quando me dei conta, Ivan estava me chamando, do outro lado do corredor. Lentamente, eu fui atrás deles. Dava para ouvir os passos da Vany correndo para subir os cinco lances de escadas que a separavam de sua casa. Ivan esperou por mim e subimos juntos. Ele murmurou, desconfortável:
-Você acha que pode ser o mesmo vírus?
Eu pensei. A resposta era óbvia. Eu só tinha sido um idiota de colocar as coisas daquela maneira, tão súbita, tão insensível. Mas os fatos eram os fatos. Havia uma grande chance, sim, da avó da Vany estar contaminada. Todos nós estávamos demorando pra absorver o impacto de tudo. Foi só depois que entramos no apartamento da Vany que caiu a ficha. Que a verdade nos atingiu e sentimos, efetivamente, o quão grande era a merda que tínhamos nos metido. Foi lá que nós vimos nosso primeiro zumbi.