sábado, 6 de fevereiro de 2010

Capítulo 19- Raquel Almeida Rzepkowski

Pedro dormiu no sofá. Eu dormi no colchão. Ivan dormiu numa poltrona. Eu acordei no meio da noite, porque ouvi um barulho. Eu levantei e peguei o taco de beisebol que tinha deixado ao meu lado. Tentando ser o mais silencioso possível, eu abri a porta do quarto. Coloquei a cabeça pra fora e olhei pelo corredor. A porta, antes trancada, estava aberta e uma fraca luz saía lá de dentro por uma fresta. Eu ergui o taco e continuei. Com uma das mãos, eu abri a porta enquanto a outra empunhava o taco. Eu coloquei a cabeça para dentro e vi um quarto. Um quarto de menina. A filha dele. O abajur estava aceso e emitia uma luz tênue e levemente fantasmagórica sobre o quarto. A cama tinha uma colcha roxa, com um lençol branco. O travesseiro também era roxo e as paredes do quarto, menos uma, eram brancas. A outra era roxa. Tudo parecia estar em diferentes tons de roxo. Então eu percebi a arma apontada do lado da minha cabeça. E Ricardo disse:
-Caramba, Hugo, não me assusta assim!

Ele estava encostado na parede ao lado da porta, a arma em mãos. Ele colocou a arma na escrivaninha do abajur e deu um suspiro. Eu perguntei:
-Posso entrar?

Ele assentiu com a cabeça e sentou na cama. Eu entrei, ele fechou a porta. Um silêncio meio constrangedor ficou no ar um tempo e aí ele começou a falar:
-Eu venho aqui pra pensar... Quando eu quero ficar meio que isolado do resto do mundo...- Ele fez uma pausa e continuou- Minha filha, Raquel... Ela tem mais ou menos a idade de vocês... Uns 15 anos, né?

Eu assenti com a cabeça. Ele continuou:
-Ela... Ela era normal... Sempre foi feliz, sorridente, alegre... Uma energia ótima... As brigas entre nós eram raríssimas... Éramos uma família qualquer. Mas aí... Aí aconteceu. Era um sábado à tarde e eu recebi um telefonema. Era do hospital. A minha mulher tinha batido o carro e morrido. Tudo por causa de um motorista bêbado. A Raquel... A Raquel não conseguiu superar... Começou a se isolar cada vez mais do mundo, se recusava a ir à escola e a sair de casa e, eventualmente, a sair do quarto. E aí ela se ofereceu para fazer as compras para mim. Eu achei que ela ia melhorar. Ela voltou com tudo e foi direto pro quarto. Alguns minutos depois, fui chamá-la para o almoço e encontrei ela na cama, os pulsos cortados, uma faca nas mãos. Ela estava sentada, chorando- Ele começou a chorar- Eu vi a culpa em seu olhar. E ela começou a chorar mais. Eu entrei em pânico. Eu chamava a ambulância ou tentava ajudar ela? Eu corri para o telefone enquanto ouvia ela chorando e pedindo para eu perdoa-lá. A ambulância chegou rápido e logo levaram ela para um hospital. Então fizeram uns testes nela e determinaram que ela estava fragilizada demais para voltar pra casa, num lugar que lembrasse tanto a mãe dela. E interneram ela num centro psiquiátrico... Eu perdi a mulher e a filha por causa de um filho da mãe que dirigiu bêbado. Puto!- Ele estava tremendo. Então ele engoliu a raiva e continuou contando a história- Ela nunca mais foi a mesma. Eu ia visitá-la e, quando ela não chorava pedindo perdão, ela estava catatônica, olhando a parede, sem ouvir nada que eu dizia... Eu mantive o quarto do jeito que ela deixou quando saiu, esperando que ela voltasse. Ela nunca voltou... Há pouco tempo recebi uma carta dizendo que ela tinha sido infectada com um tipo de vírus ou algo assim. Hoje eu sei o que era. Ela fugiu do hospital, não sei como. E agora eu não sei onde ela está. Me recusei a sair daqui sem minha filha. Eu não vou abandonar a cidade sem ela!

Eu concordei com a cabeça, lentamente. Comecei a dizer;
-Olha... Eu também... Eu também perdi a Vany... A gente... A gente vai ter que procurar juntos. Pelas duas. Eu... Nem imagino como é a dor que você deve estar sentindo, mas... Eu... Eu vou te ajudar no que puder, cara... O que eu puder fazer... Conta comigo.

Ele pareceu meio surpreso e depois ficou com uma cara mais determinada, apertou minha mão firmemente e disse:
-Eu também, cara. No que eu puder ajudar...

Eu respondi:
-Brigado... Juntos a gente vai achar elas! E elas vão estar bem! As duas!

Ele assentiu com a cabeça. Só muito depois, já na cama novamente foi que eu me perguntei se eu realmente acreditava que as duas estariam bem. Se a gente tinha chance mesmo de achá-las. Se a gente iria sequer sobreviver a isso tudo. A ausência de respostas me manteve acordado a noite inteira