quinta-feira, 20 de maio de 2010

Capítulo 29- Decisões

-Bom dia- Eu ouvi, após abrir lentamente os olhos. Um beijo quente encheu minha bochecha e eu sorri, abraçando a Vany e respondendo. Ela já havia acordado, mas ficou me esperando, aconchegada no meu abraço. Levantou-se e fomos para o café da manhã. Infelizmente, não havia muito o que comer. O motoqueiro tinha levado a maior parte dos suprimentos. Eles estavam conversando (eu fui o último a acordar) sobre o que fazer. Quando eu cheguei lá, eles disseram que precisavam de mais comida, além de armas e etc. Enfim, infelizmente, não dava pra ficar parado. Então começamos a debater. Para onde ir? Quem iria? Procurar o quê? A maior urgência era comida, então começamos a pensar em super-mercados. Havia um Wallmart há alguns quilômetros, aonde poderíamos conseguir não apenas comida, mas armas, roupas, enfim. Com certeza ainda ia ter algumas coisas sobrando, inclusive porque não pareciam ter muitos outros sobreviventes. Quando chegamos a esse ponto da conversa, paramos. Um silêncio fúnebre pairou sobre nossas cabeças e decidimos que havia chegado a hora. Explicamos a eles o que acontecera com Ivan. Ricardo ficou em silêncio e só foi abaixando a cabeça. Já a Vany começou a chorar, baixinho, triste, como um lamento. Ela escondeu o rosto e eu abracei ela, chorando um pouco também. Ainda me dói falar abertamente sobre o Ivan.

***

Depois disso, a Vany ficou mal. Mas, nós tínhamos sido escolhidos pra ir fazer a busca. Ricardo precisava ficar e proteger a casa. Pedro precisava ficar parado também, sua perna parecia estar melhorando um pouco. Raquel se voluntariou para ir comigo, já que a Vany tava dormindo, mas Ricardo não deixou. Imagino que tenha sido em parte porque ele queria ficar mais com a filha e em parte porque ele tinha me visto abraçado com a filha dele no dia anterior. Enfim, seja como for, eu tive que ir atrás da Vany e a carregar para a rua. Eu continuava com a perna de mesa como arma, enquanto a Vany permanecia desarmada.
Nós saímos pela rua andando, evitando confrontos e passando rapidamente por zumbis solitários e alguns acidentes. Andamos por um bom tempo e enquanto andávamos eu pensava na nossa situação: "Apesar de tudo, estávamos sobrevivendo bem. Quer dizer, eu tava ferrado, acho que dava pra listar todos os meus machucados. O Pedro também, óbviamente. Mas o Ricardo, a Raquel e a Vany estavam ilesos. A média é boa." Ninguém falou nada no caminho, a não ser por falas curtas, como "Por aqui". Foi só ao chegarmos perto do lugar que nós dois ficamos realmente sem palavras. Entre nós e o supermercado, estendiam-se fileiras após fileiras de zumbis, desmortos nojentos que cambaleavam pelas ruas entre nós e nosso objetivo. Eu e Vany nos escondemos atrás de uma lata de lixo e eu senti meu coração disparado no peito. Tínhamos andado aquilo tudo pra nada? A Vany ainda estava com a cara inchada do choro e eu não queria desapontar ela. A perda de Ivan ainda a atingia como uma doença lenta. Então eu resolvi pôr em prática o que Ivan me ensinou. Resolvi fazer o que ele tinha feito. Não era hora de ser corajoso? Então, eu sussurrei:
-Vany, eu tenho um plano. Fica aqui escondida até ser seguro. Eu vou colocar a gente lá dentro. Confia em mim.

Ela começou a murmurar alguma resposta, mas eu levantei e comecei a correr para a esquina, gritando:
-Olhem pra mim, suas bestas! Olhem aqui! Quem quer um pedacinho do Hugo? Eu sou magrinho mas sou gostoso!

Comecei a andar lentamente, enquanto os zumbis viravam pra me encarar. Estava colocando minha existência em risco, essa podia ter sido a última decisão de minha vida. Olhei para a lata de lixo e senti lágrimas começarem a queimar meus olhos. Podia ser que eu nunca mais visse a Vany. Mas o que importava é que ela ia ficar bem. Era só o que importava.
-Venham seus putinhos! Tem Hugo pra todo mundo!
E enquanto eu corria e uma infinidade de zumbis começavam a vir atrás de mim , eu pensava"Ivan, Vany... isso é por vocês!"

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Capítulo 28- Reencontros

Eu ajudei Raquel a levantar e ela me olhou nos olhos, me abraçou e começou a chorar. Eu não sabia se ela tinha visto que o pai estava tão perto. Abracei ela de volta e ficamos daquele jeito por algum tempo. Ela me deu um beijo na bochecha e sussurrou um delicado obrigado em meu ouvido. Ela continuou me abraçando forte e eu fiquei sem saber o que fazer, afinal eu não podia simplesmente empurrá-la para longe. E o pior é que ela tava cheirosa, o que é muito bom, pra variar... Então ela me deu um beijo no pescoço e eu senti um arrepio percorrer a espinha. Aí que eu vi a Vany parada, olhando pra nós, com uma cara de choro. Ela se virou e saiu correndo de volta para a casa e eu, agindo por impulso, saí correndo atrás dela, desvencilhando-me de Raquel e correndo através do parque. Ricardo então veio correndo e me cumprimentou. Ele também não sabia que aquela era a filha dele. Eu virei para trás, ainda correndo e falei, ofegante, apontando para a garota que diminuía à distância, deixada para trás, confusa:
-Trouxe um presentinho pra você, cara...

Ele não entendeu nada, mas virou-se e começou a andar em direção a Raquel. Eu virei pra frente novamente e aumentei a velocidade. Me aproximei da Vany e segurei seu braço. Então ela virou e me deu um tapa no rosto. Não doeu tanto fisicamente. Eu olhei para ela e vi seu rosto iluminado pelo luar, os olhos aguados, o lábio inferior tremendo. Isso sim doeu. E muito. Nos olhamos por um tempo, a tristeza refletida em seus olhos verdes. Então, num impulso, ela me abraçou e, meio confuso, eu abracei ela. Ela começou a chorar no meu ombro e eu soltei um suspiro. Ficamos abraçados por um bom minuto e meio. Ela foi parando de chorar gradualmente e eu acariciava o braço dela, murmurando bobagens como "Calma, calma". Enfim, ela me olhou e me deu outro tapa. Ela disse:
-Esse daqui é pelo beijo que ela te deu e que você recebeu de boa.

Eu comecei a rir.
-Tá com ciuminho é? Num sou nada teu, ok? Tenho direito de fazer o que eu quiser.

Ela pareceu que fosse chorar de novo, então eu comecei a rir mais e falei:
-Mas eu gosto de saber que você tem ciúme de mim. Porque eu também teria ciúme de você. E num tenho nada com você, mas num precisa oficializar um compromisso. É só com você que eu quero ficar, ninguém se compara a você.

Aí ela me abraçou e começou a chorar mais, enquanto eu sussurrei em seu ouvido:
-E você já devia saber disso...

***
Por uma noite, nós fomos uma família feliz. Voltamos para a casa de Ricardo, aonde eu contei a ele sobre o motoqueiro. Ele nem se importou. Tinha a filha de volta, estava felicíssimo. Pedro ficou super feliz em ver a Vany de novo. Nós conversamos a noite inteira e a Vany contou que se trancara no banheiro e saíra pela janelinha pela qual havíamos entrado. E depois disso, foi mais ou menos parado pra ela. Até que Ricardo a encontrou. Não contamos para a Vany que o Ivan tinha morrido, e nem pra Ricardo. Deixamos a má notícia pra depois. Hoja era noite de festa. Conversamos, rimos, chegamos até a dançar. Vany passou a noite inteira de braços dados comigo e Raquel, abraçada com o pai. Mas eu ainda percebia o olhar de Raquel olhando para Vany de uma maneira meio estranha. E, quando eu fui dormir, aquilo continuou me perturbando. E, finalmente peguei no sono, eu tive uns sonhos estranhos, apesar de não me lembrar direito do que se tratava. Só sei que envolvia a Raquel e a Vany. Só que a Vany tava morta.