terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Capítulo 16- Conversas Adolescentes

-Eu sempre soube que ia acabar acontecendo- Pedro dizia, mordendo um hambúrguer gigantesco feito com tudo que a gente pôde encontrar por ali- Tava na cara, velho, ela te ama.

Eu enrusbeci, balançando a cabeça- Peraí, amor é uma palavra muito forte, eu...

Ivan interrompeu, dizendo:
-Cara, ela te adora e é isso que interessa.

E é gostosa- Disse Pedro. Ele falou zoando, só pra me provocar, mas a palavra parecia ser vulgar demais para a Vany. Ela merecia mais. Mas resolvi deixar passar- Cara, que sacanagem, eu recebo um tiro na perna e você recebe a Vany!

Ivan disse:
-E eu, que não recebi nada!

Pedro disse:
-Ivan, você fica quieto!

Nós estávamos almoçando no escuro enquanto a Vany insistiu em ficar sozinha por um tempo. Eu perguntei:
-O que será que ela tá fazendo?

-Deve estar pensando no que fazer... É uma situação delicada, né, cara?- Ivan respondeu. Pedro derrubou um pouco de molho com alface na mesa, xingou um pouco e disse:
-Cara, que romântico... Atrás do balcão do MacDonald's abandonado num bairro em ruínas, durante uma invasão de zumbis.- Ele riu da própria piada e eu soltei um risinho abafado.

-Cala a boca, eu fiquei com ela, não fiquei? Então, já pegou uma guria durante uma invasão de zumbis? - Nós rimos. Ivan perguntou:

-Mas, sério, cara... O que você vai fazer a respeito?

Eu hesitei. Depois de um momento, comecei:
-Ela é linda, divertida, inteligente, delicada, gosta das mesmas coisas que eu, sabe o que eu tô pensando- Eu hesitei novamente e, não muito seguro, disse: - É a melhor coisa que podia me acontecer.

Pedro parou com o hambúrguer a caminho da boca, enquanto eu tomava um gole de coca.
-Peraí, o que tá faltando? Qual é o problema? Cara, tu tem uma gata que é você na versão feminina e que quer ficar com você!

Eu comecei, meio envergonhado:
-Sei lá, eu... Eu tenho medo de a gente ficar junto e isso afetar a nossa amizade. Não só a minha e a dela, mas a de nós 3 também. Além disso, se a gente acabar brigando, o clima vai ficar insuportável. E é bem capaz de eu decepcionar ela, eu não sei nem o aniversário dela, ou...

Pedro interrompeu, largando o hambúrguer na mesa e balançando a cabeça, revoltado:
-Cara, tudo o que você tem que fazer é ficar com ela, fazer ela rir e proteger ela, nós não estamos num parque de diversões, nós estamos numa invasão de zumbis. É só salvar a vida dela umas duas vezes e ela já vai querer dar pra ti!

Eu me estressei, me levantei, gritando:
-Olha como você fala da Vany! Ela não é uma vagabunda, ela não é vulgar, ela não é uma galinha! Ela é uma das coisas mais maravilhosas que já me aconteceu e eu gosto tanto dela que tenho medo de perder! Se você falar mais uma dessas coisas sobre ela, eu não vou tomar responsabilidade sobre meus atos!

Pedro disse:
-Então você ama ela?

Eu respondi, furioso:
-Sim, porra!

Pedro disse, com um arzinho superior e um sorrisinho besta na cara:
-Então devia ser o suficiente.

Só aí eu percebi que ele tinha feito toda essa provocação pra me fazer perceber. Eu amava ela e isso bastava. Eu sei que pra quem estiver lendo isso pode parecer tudo muito precipitado, mas vocês não fazem ideia do que eu já passei com a Vany antes de a invasão começar. Víviamos um no apartamento do outro, eu conheci ela durante a mudança. Os pais viviam brigando, mesmo depois de separados e usavam ela pra se voltar um contra o outro. Os meus pais faziam a mesma coisa. Então ela resolveu ir morar com a avó, que vivia no 1802 e sempre foi muito animada. Ela chegou lá completamente depressiva e eu e a avó dela tivemos o trabalho de alegrá-la. Juntos, nós descobrimos como suportar esse tipo de dor familiar e, assim, nós nos tornamos quase irmãos, mais do que amigos. Vivíamos juntos. O tempo todo. Se ela ia mal em alguma matéria, eu ia ajudá-la e se eu tinha uma peça no teatro e não conseguia decorar as falas, ela ensaiava comigo. Nós já passamos a pé pelo Drive-Thru desse mesmo MacDonald's, por que estávamos atrasados demais. Eu lembro que saímos correndo rua abaixo derramando guaraná e Big Mac pelo caminho e em nós mesmos. Nem me lembro pra que estávamos atrasados. Ela gostava das mesmas músicas, jogos, brincadeiras, programas de TV e até dos mesmos livros que eu. E era por isso que eu tinha medo. Medo de perdê-la. De acabar com a nossa amizade caso algo mais sério se quebrasse. E foi aí que eu ouvi ela gritando por socorro.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Capítulo 15- Novo Começo

Depois da poeira baixar, nós olhamos em volta. O que uma vez fora um bairro respeitável da classe média brasileira, agora era um resto de entulho. O bairro era basicamente residencial, mas haviam algumas lojas ali, que não estavam ocupadas e foram poupadas. Eu percebi que o Mercadorama em frente à minha casa fora detonado. Era aberto 24 horas. Droga, devia ter sido evacuado precariamente. Mais à esquerda, uma das únicas construções visíveis e firmes, um McDonald's se erguia; no momento, rimando com salvação.
Nós fomos até lá com um pouco de dificuldade. As portas estavam fechadas e trancadas. As grandes e pesadas portas de alumínio, abaixadas. Felizmente, uma das janelas havia rachado com a explosão ou algum estilhaço e nós conseguimos quebrá-la com o taco de beisebol. Então nós tiramos os pedaços de vidro que ficaram grudados na moldura com uma certa dificuldade e pulamos para dentro. Tive que ajudar o Pedro. Assim que passamos pelo estreito buraco, ficamos em quase completa escuridão. Após alguns curtos minutos, os nossos olhos se acostumaram e pegamos uma mesa e colocamos enfiada na janela para bloquear a passagem. Eu e o Ivan cuidamos disso enquanto Vany cuidava do ferimento de Pedro. Na verdade, ela estava reclamando mais do que ele e teve que ir ao banheiro para vomitar três vezes.
Então, nós começamos a explorar o local, deixando Pedro descansar. Descobrimos algumas facas extremamente interessantes, além de um cutelo. Toda a comida era extremamente perecível, então nós decidimos comer dela mesma quando chegou a hora, assim não desperdiçaríamos nada. O dia foi bem parado, na verdade. A gente manteve as portas de alumínio abaixadas e nos revezávamos para trocar o curativo de Pedro. A bala tinha atravessado a perna dele e ele estava perdendo muito sangue, mas pelo menos ela não tinha ficado presa lá dentro. Nós limpamos o ferimento do melhor jeito que deu e tentamos estancar por dentro com algodão e álcool. Imagino que não tenha sido uma experiência nada agradável para o Pedro e provavelmente ele nunca mais andaria de novo com aquela perna. E era culpa minha.

***

Eu estava sentado atrás do balcão, de costas para ele. A Vany passou por cima no balcão e se encolheu do meu lado. Nós já havíamos conversado sobre o que tinha acontecido com as bombas. E o que tinha acontecido no elevador. Ela só se encolheu do meu lado e nós ficamos assim, agarrados, quietos, sentindo a respiração calma um do outro. Eu tinha ficado mal e parecia que ela sabia disso. E ela não chegou tentando conversar e nem dizer nada. Ela ficou ao meu lado, quieta, a cabeça em meu peito, meu braço atravessado por cima de seu corpo, segurando a sua mão, que acariciava a minha delicadamente. Pedro e Ivan conversavam ao lado de fora, mas eu não estava prestando atenção. Ela deitou no meu colo, meio inclinada, a cabeça por cima das minhas pernas dobradas. E foi aí que aconteceu.
Eu posso ser educado, inteligente, delicado, romântico e sentimental, mas, em minha defesa, tenho a dizer que, acima de tudo, sou homem, e adolescente. Eu podia estar num momento sentimental, bonito e, ao mesmo tempo tenso e ameaçador, cheio de preocupações e problemas na cabeça, mas ainda assim... O fato é, a Vany tem um corpão, como já indiretamente mencionado antes. E eu, como o garoto de 15 anos que sou, não resisti. A carne é fraca. Ela estava usando um top de alcinha rosa com um decote grande, mas tinha um casaco por cima. Como estava calor durante o dia, além do mais num ambiente fechado como aquele, ela tirou o casaco e agora o decote dela me chamava, hipnotizante. Do ângulo que eu tava, dava pra ver quase que toda a parte superior dos seios dela e um pedacinho do sutiã. Agora, escrevendo, eu me sinto uma besta. Mas na hora eu não pensava nisso. Estava (quase que literalmente) babando em cima dela. Hipnotizado. E ela reparou. E eu reparei que ela reparou. E ela fez uma das últimas coisas que eu esperava que ela fizesse. Ela deu um sorriso e uma risadinha e subiu, ficando com o rosto na altura do meu, muito perto. Ela sentou no meu colo, virada para mim, com um sorriso no rosto, fazendo aparecer as duas covinhas que eu gostava tanto. Seus olhos se estreitaram e ela ficou com uma expressão astuciosa.
-Eu reparei que você tava me olhando- Disse ela, ameaçadora.

Eu engoli em seco tentando arranjar uma maneira de escapar daquela.
-Olha, eu...

Ela encostou o indicador na minha boca, me silenciando. O calor do dedo dela contrastava com o frio do anel metálico que ela usava. Ela continuava com aquela expressão de sagacidade que ela fazia tão bem.
-Eu me senti elogiada...- Ela deu uma risadinha- Afinal, isso deve significar que você me acha atraente...

Eu arregalei os olhos. Estava estático, surpreso. Eu tinha imaginado milhares de desfechos pra situação e esse não era um deles. A maioria incluía ela me perseguindo com um taco de Bet's. Então eu tomei o controle da situação. Ela estava me dominando e era hora de virar o jogo. Eu rolei para o lado, derrubando ela no chão e ficando em cima dela, segurando seus braços. Ela se surpreendeu também e perdeu o fôlego. Antes que ela o recuperasse, eu a beijei. Com paixão, quase com força. Por um momento ela ficou parada e nessa hora eu pensei "Ai, fudeu" e aí eu comecei a tremer e fraquejar, mas aí ela retribuiu, delicadamente. Eu soltei os braços dela e ela pousou a mão sobre meu ombro enquanto deitávamos lado a lado e o beijo ia se tornando mais romântico e delicado. No final do beijo, ela passou os braços pelo meu pescoço e deu mais três selinhos adicionais, curtos. Eu sentia frio, no meu corpo todo. Arrepios percorriam minha pele e eu sentia o coração dela disparado, seu corpo colado ao meu. Eu olhei para ela e ela sorriu para mim, os olhos levemente aguados. Como eu não percebi? Agora era óbvio. Ela gostava de mim, ela REALMENTE gostava de mim. Sempre dizem que o cara é o último a saber. Eu sou uma besta. Ela deu uma risadinha. E me deu mais um beijo rápido e aí eu olhei e vi Pedro, encostado no balcão, um sorriso superior rasgando sua cara em dois, a mão apoiando a cabeça. A Vany viu também, tomou um susto e saiu correndo. Eu disse:
-Peraí, calma...

Pedro continuava com aquele sorrisinho irritante. Eu me levantei e perguntei:
-O que foi?

Ele só ficou olhando, sorrindo. Depois de um tempinho ele disse;
-Nada...

Eu me virei e fui atrás da Vany, mas ele me chamou:
-Hugo!

Eu perguntei, irritado:
-O que foi?

Ele apontou para a minha boca e disse, rindo um pouco:
-Tá sujo de batom...

Eu mostrei o dedo pra ele e fui atrás da Vany.