quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Capítulo 8- Uma Longa Subida

Nós entramos na portaria, tudo quieto, escuro. Demos a volta nos dois elevadores e começamos a subir as escadas. Elevadores eram uma péssima opção. Pouco espaço para fugir e para lutar. Se um zumbi entrasse lá, estávamos perdidos. Fomos subindo as escadas lentamente, mais ou menos do mesmo jeito que fazíamos com a rua. Um subia o lance e depois descia e avisava os outros, que ficavam prontos para a ação. Isso tornava a subida muito mais devagar e cansativa, considerando que eu morava no andar nº13. A gente já tinha subido um monte. Era a vez do Pedro de ir verificar primeiro e aí a gente ouviu um barulho diferente e o Pedro voltou rápido, dizendo:
-Tem um zumbi do outro lado do corredor, mas eu acho que ele não me viu.

Eu olhei pra ele e virei pro Ivan:
-Ivan, você fica aqui e protege a Vany. Vany, você fica aqui e cuida do Ivan. Se a gente mandar, vocês correm, não quero que vocês subam sem que a gente deixe, ok? Pedro- Eu fiz uma pausa, respirei fundo e disse- Vamos matar zumbis.

Pedro assentiu com a cabeça e nós subimos. A cada andar, havia um "hall" antes de entrar efetivamente nos apartamentos. As escadas subiam pelos fundos, aonde haviam duas portas, uma pra cada apartamento. Nesse espaço, também ficava o elevador de serviço. Ao lado do elevador, um corredor estreito, com uma porta de cada lado, levava à entrada da frente. Pedro havia visto um zumbi virado de costas pelo corredor. Deduzimos que ele devia estar por lá. Pedro tomou a dianteira e, erguendo a latinha, foi andando. Eu vi ele andar cautelozamente, entrando no corredor. Eu senti o suor brotando na minha pele. Ele foi andando devagar e virando de lado, de costas para a parede, que ficava na saída do corredor. Então tudo ficou em câmera lenta. Eu vi um zumbi indo pra cima dele e ele, num reflexo impressionante, erguendo o pé e dando um pisão no peito do zumbi, que foi lançado para trás. Eu só vi o zumbi de relance, mas deu pra perceber que era uma mulher adulta. Então Pedro, segurando a lata, partiu pra cima da zumbi e saiu da minha visão. Eu saí do corredor e vi Pedro acertando a lata na testa da zumbi, de cima pra baixo. Ela caiu sentada, batendo na parede e derrubando um quadro que ficava pendurado lá. Eu não podia fazer nada para ajudar o Pedro de onde eu estava, porque ele estava na minha frente, então eu pulei oara o lado dele e joguei a latinha com toda a força, mirando a cabeça da desmorta. Eu errei. Merda. Eu queria pegar o quadro, mas estava logo embaixo da zumbi. Pedro acertou outro golpe na testa dela com a lata e eu, me sentindo inútil, só assisti, desesperado. Pedro começou a desferir golpes seguidos na testa dela, sempre cuidando para nem passar perto da boca. E o rosto dela começou a sangrar. Pedro aumentou a força continuando a acertar a cabeça da zumbi, que parou de se mexer. Só pra garantir, ele acertou mais uma vez. A latinha nem tinha amassado, impressionante. Ele só tinha acertado ela com a parte de baixo, que é muito resistente. Eu me abaixei e peguei o quadro. Foda-se a minha latinha. Agora eu tinha uma moldura e vidro. Eu me cortei e logo começou a sair sangue do meu dedo. Eu botei o dedo na boca e o Pedro foi chamar os outros, enquanto eu me dirigia, xingando, para as escadas.
Eu já tinha caído de cara no asfalto e quebrado os dois braços ao mesmo tempo (Muito antes da invasão), mas era impressionante como aquele cortezinho no dedo doeu. Eu xinguei a mim mesmo de fresco e tentei ignorar a dor. Continuamos a subir. O dedo não parava de sangrar e eu comecei a ficar extremamente incomodado. Percebi que tinha entrado um pedaço de vidro no meu dedo e xinguei alto. Parei sem falar nada para os outros e sentei, tirando uma agulha de dentro do kit de primeiros socorros. Com cuidado, enfiei a agulha no corte, o que doeu pra caramba. Mexi a agulha lá dentro e doeu mais ainda. Senti meus olhos lacrimejarem e eu comecei a gemer. Eu tentei tirar o vidro lá de dentro, mas ele simplesmente não queria sair. Eu comecei a me desesperar e percebi que só ia doer mais se eu continuasse. De raiva, comecei a chorar, agora nem me importando mais com a dor. Eu me sentia inútil e sentia agonia e desespero. E aí eu acho que os outros perceberam que eu tinha parado e voltaram. Será que nem pra eles eu tinha importância? Eu estava sentado, chorando, mexendo com a agulha freneticamente no corte, o que só abriu ele mais e minha mão começou a pingar sangue. O Ivan gritou:
-Hugo, o que você tá fazendo?!

A Vany correu e se abaixou do meu lado e segurou minhas mãos. Eu só chorava. Pedro fez uma cara de confuso. Há um minuto atrás, eu estava bem. A Vany tirou a agulha da minha mão e se sentou do meu lado e o Pedro puxou o Ivan no canto e eu ouvi ele perguntar:
-O que aconteceu?

Deviam estar pensando que eu estava atrasando eles. Toda essa merda acontecendo e eu atrasando eles. Era isso que eu era pra eles. Atraso. A Vany estava falando alguma coisa e eu nem ouvi. O Pedro e o Ivan foram fazer guarda. No meio da escada. A Vany me abraçou e eu encostei a cabeça no ombro dela. Ela me perguntou:
-O que foi?

Eu comecei a falar de repente, metralhando palavras, falando tudo rápido demais e chorando ao mesmo tempo. Expliquei pra ela o que tinha acontecido. Que desde que entramos no prédio eu tinha sido inútil. Ela me tapou a boca com a mão e brigou comigo:
-Cala a boca! Cara, você não é inútil, se toca! Só porque você não conseguiu fazer nada não significa que você é inútil. Você tentou, poxa! Você tá colocando muita responsabilidade sobre si mesmo, tentando ser um líder! Nós não queremos um líder. Nós queremos você. Só você. Mesmo que você não fizesse nada, a sua presença ia ser o suficiente, tenho certeza, pra todos nós. São as pequenas coisas que você faz, como alegrar todo mundo, parecer sempre seguro de si mesmo e ser tão compreensivo.- Ela sorria, os olhos aguados- Você tem sido ótimo pra todo mundo, apesar dos erros Guinho. E não precisamos mais do que isso.

Aí ela pegou a agulha e com calma, tirou o vidro do meu dedo num movimento só. Eu gemi e nós começamos a rir. Ela levantou e estendeu a mão pra mim.
-Vamos, ainda temos que chegar na sua casa.
Eu me levantei sem ter vergonha de me apoiar na mão dela. Ela sorriu e limpou meu rosto com os dedos. Eu me senti bem novamente. Eu sabia que meus amigos estariam lá por mim quando eu precisasse, mesmo o Pedro, que parecia tão insensível, depois se mostrou preocupado comigo. E eu teria que estar lá por eles quando todo o stress de tudo que a gente tá passando chegasse no limite. Mas tudo bem. Eu faria isso quando chegasse a hora.