sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Capítulo 35- Divórcio

Caminhamos por um bom tempo, em silêncio fora os pequenos comentários dirigidos à Marina. Eu senti, o caminho todo, uma tensão enorme, principalmente porque o sol começava a sumir no horizonte. Estávamos desarmados, carregando uma criança no colo e tentando protegê-la de tudo que estava acontecendo à sua volta, fosse um zumbi, fosse um acidente de carro, fosse um mero cadáver. Mero cadáver. Eu estava começando a me acostumar com o sangue. Com a violência. Com o cheiro. Com a pressão. Com essa parte toda. Que merda. Isso é horrível, horrível mesmo. Você olhar pra alguém que morreu, provavelmente de uma maneira terrível, e não sentir nada. Talvez a Vany estivesse com razão... Talvez eu estivesse ficando frio mesmo. Mas isso era essencial para a nossa sobrevivência. Não dá pra sobreviver sendo emotivo. Não dá pra demonstrar compaixão por todos. A Vany claramente não pensava assim. Ela virava o rosto e tentava segurar o choro, toda a vez que passávamos por uma cena dessas. Eu nem sentia mais vontade de chorar. Eu lembrei de quando deixamos o soldado pra morrer na rua atrás de casa, de como nos sentimos mal. E pensei sobre o quanto tínhamos mudado. O quanto tudo tinha mudado. Mal fazia uma semana que a invasão tinha começado. Que nossas vidas se transformaram pra sempre. E nós estávamos tão absortos nisso que nem percebemos a mudança. Nem paramos pra pensar nas coisas que estavam acontecendo.

***

Não dissemos muita coisa enquanto chegávamos no lugar. Não dissemos muita coisa enquanto barricávamos o portão. Não dissemos muita coisa enquanto preparávamos o lanche e nem dissemos muita coisa enquanto nos sentávamos para dar de comer para a Marina. Não falamos muito, em geral, e o silêncio entre nós só contribuia para me deixar mais estressado. Isso só foi quebrado quando colocamos ela para dormir. O lugar era uma casa grande, com muros altos o suficiente para barrar os zumbis, mas baixos o suficiente para escalar. Usamos o tapete de entrada de uma das outras casas para passar pelo arame farpado, jogando-o por cima dele. A porta tinha sido deixada aberta. O maior perigo era a grande porta da garagem, um portão automático metálico, pintado de verde, porém não parecia resistente o suficiente para conter dezenas de zumbis famintos. Assim, barricamos o portão. Mas, enfim, o que eu queria dizer é que era uma casa grande, o que deu direito a um quarto só para Marina. Nós dormiríamos no quarto do casal. Deitamos Marina na cama, e ela, agitada, não conseguia dormir. Tentamos acalmá-la de várias maneiras, até que ela nos disse:
-Quero uma história.
"História?" Eu pensei "Temos que dormir logo, para estarmos descansados amanhã."
-Olha, Marina, eu não sei... Eu não conheço nenhuma história.
A Vany me interrompeu, dizendo:
-Então deixa que eu conto.
Eu engoli em seco e disse, tentando aliviar a tensão:
-Vou fazer a vigia.
Levantei e fui em direção à porta. Parei quando ouvi a Vany dizer:
-Depois eu falo com você.
Eu saí do quarto, sem poder deixar de notar o quanto a Vany parecia minha mãe quando falava assim. Preocupado, fui para o segundo andar da casa, onde um par de binóculos me aguardava para a vigia. Enquanto acompanhava o movimento débil de ocasionais zumbis sem muito interesse, comecei a me preocupar mais e mais com o jeito que a Vany falou que precisava falar comigo. "Depois eu falo com você." Boa coisa não podia ser.
Pouco tempo depois, ouvi uma batida na porta que levava às escadas. A porta se abriu e a Vany me chamou enquanto eu tirava o binóculo do pescoço. No quarto, que ficava longe do quarto da criança (do outro lado do corredor), ela disse:
-O que está acontecendo com você?
Eu, meio que por reflexo, disse:
-Como assim?
Ela respondeu:
-Esse não é o Hugo que eu conhecia. Você mudou. O Hugo por quem me apaixonei teria feito qualquer coisa para alegrar ela. Cadê a sua compaixão? Ela é uma criança, pelo amor de Deus! Você não pode agir assim com ela! O que foi que aconteceu?
Eu, irritadíssimo, respondi:
-O que aconteceu? Essa porra toda aconteceu! Os zumbis aconteceram! Essas frescuras de vocês têm que parar, isso sim! Histórinha pra dormir, no meio de uma invasão de zumbis?! E você, chorando toda a vez que vê um cadáver?! Porra, isso é perda de tempo. Eu tô pensando numa maneira de sair daqui, de nos salvar, e você vem me falar sobre delicadeza?! No meio de uma invasão de zumbis?!
-Uma coisa não exclui a outra!- Ela respondeu, chorando.- Eu não acredito que tô ouvindo isso! Eu não mudei! EU não mudei! Por que você tem que mudar?!
-Eu me adaptei à situação. Você devia começar a aceitar que as coisas não são mais como antes.- Esbravejei.
A Vany me olhou com os olhos vermelhos, tremendo. Ela disse:
-Como você pode ser tão frio? Como você pode ser assim?! Como você se aguenta assim?! Eu não tô mais falando com o Hugo. Eu não quero mais você. Não quero mais olhar pra você, não quero mais falar com você, não quero mais nada com você. Você conseguiu estragar a única coisa boa que tínhamos por aqui, Hugo. Parabéns.
Peguei meu travesseiro e fui para o sofá da casa. A raiva tinha passado, de repente. Me senti culpado. Será que eu tinha sido duro demais? Será que eu estava errado? Não sei. Eu sei que queria muito, mais do que tudo, sobreviver a tudo isso. Durante uma invasão de zumbis, não se pode ter o luxo de amar. É preciso estar focado na sobrevivência, sempre. É o mais importante, não importa o preço. Agora, enquanto escrevo, percebo o quanto estava errado.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Novidades!!! - Importante

Galera, resolvi testar uma parada. Agora, na comunidade, há uma enquete nova que tem como objetivo tornar essa história um pouco mais interativa. Votando na enquete, você vai influenciar na história, só não vou deixar bem claro em como ela vai se alterar. Mas, enfim, esse mistério sobre como ela vai alterar é mais pra ter a opinião real de vocês, sem que ninguém vote no que acha que seria "mais legal pra história". O que quer que aconteça depois disso pode ou não ter sido influenciado pela enquete, e todo o bem ou mal que as decisões de vocês causarem serão diretas consequências da escolha que vocês fizeram. A enquete se chama "O que você acha mais importante?", tem apenas duas opções e ficará aberta até 15 de Novembro. No tópico "Notícias do Autor" há uma nova postagem falando sobre ela, dêem uma olhada, ela também é importante. Conto com a participação de vocês. Já fica avisado que ambas as opções têm suas vantagens e desvantagens futuras dentro da história, e o próximo capítulo só vai sair depois que a enquete fechar.


Make choices. Face the Consequences.
"Escolha. Enfrente as consequências."

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Capítulo 34- Problemas

Não havia respingos de sangue na parede. Ele levou o tiro deitado. Não havia sinais de mordidas no corpo. Não fora suicídio, ainda mais agora que havia reencontrado a filha. Ele foi executado cruelmente. Um tiro na garganta, sangrou até a morte. Mas por quem, e por quê? Eu suspirei, enquanto olhava para os olhos aguados da Vany.
-Ele foi assassinado. Não sei o motivo.

Ela deixou algumas lágrimas caírem, eu me aproximei, murmurando:
-Vany... Nós... Nós não podemos ficar aqui. É muito perigoso.

Ela me empurrou para longe, dizendo:
-Por que você é tão frio, Hugo?

Eu me surpreendi, dizendo, mais alto do que deveria:
-Eu!?

Ela entrou no quarto de Raquel, onde tínhamos deixado Marina, balbuciando algo sobre não aguentar mais. Eu balancei a cabeça, passando a mão pelos cabelos. Agora essa. Ela queria dizer que eu era frio? Logo eu? Poxa, depois de tudo que demonstrei, depois de ter ajudado não só ela, como a Raquel e o Pedro, depois de ter ficado um tempão mal por causa do Ivan, depois de tudo o que fiz pelo grupo, ela tava me chamando de frio? Frio era quem matou o Ricardo. Filho da puta. Ele num ia ter nem um enterro decente. E tudo aconteceu nesse intervalo ridiculo de tempo, enquanto íamos e voltávamos do mercado. Ivan e Ricardo. E a gente nem sabia se o Pedro e a Raquel tavam bem, o Pedro com aquela perna dele... Não tínhamos pra onde ir. Não tínhamos armas nenhuma, éramos dois adolescentes em clima de tensão cuidando de uma garotinha de 4 anos. Que droga. Mas que não dava mais pra ficar ali não dava. Primeiro roubaram a casa inteira. Agora invadiram e atacaram os três, sei lá porque. Tínhamos que ir pra algum lugar, onde quer que fosse. Resolvemos ir para o lugar onde a Vany ficou qdo se separou de nós. Pouco tempo depois saíamos da casa rapidamente, sem muitas palavras proferidas.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Capítulo 33- Desilusão

Eu abri a porta dos fundos do mercado meio inseguro, a garota no colo, tentando ver alguma coisa lá dentro. As luzes estavam apagadas, sombras se estendiam pelo interior do aposento dificultando a minha visão. Não tinha desculpas para a Vany sobre a garota. Nem sobre perder minha arma. Eu entrei, cauteloso, fechando a porta atrás de mim. Demorara bastante tempo para achar a porta dos fundos que a Vany tinha aberto. Agora eu tinha que achar a Vany.
Atravessei o quartinho com cuidado. Abri a porta, que levava a um corredor cheio de portas escancaradas. Fechei a porta novamente. Não dava pra entrar num corredor escuro, carregando uma menininha de 4 anos no colo, desarmado, sozinho, no meio de uma invasão de zumbis. Eu coloquei a garota no chão e deixei meus olhos se acostumarem à escuridão, enquanto explicava para ela que havia uma amiga minha ali dentro esperando por mim. Quando finalmente comecei a enxergar no escuro, vasculhei o quarto com um olhar, rapidamente. Então, de repente, a porta abriu, fazendo com que eu pulasse de susto, desesperado por encontrar uma arma. Porém, meu susto foi substituído por alívio quando vi um rosto bonito com lindos olhos verdes ao invés de sangue e carne podre. A Vany pulou em mim e eu abracei-a com vontade, feliz de poder sentir sua presença de novo, de sentir seu calor característico mais uma vez ao meu lado. Nos beijamos longamente e, por algum motivo, eu lacrimejei um pouco. Quando finalmente acabou o beijo, abracei-a como se quisesse guardá-la dentro de mim. Ela ficou meio confusa, mas não rejeitou o abraço. Então nos afastamos e eu comecei a problemática. Expliquei pra ela o que tinha acontecido. Falei que não podíamos abandonar a garota sozinha. Apresentei-as e descobri que o nome da garota era Marina. A Vany acatou à decisão rapidamente, mais do que eu imaginava. Logo estávamos os três andando pelo mercado despreocupadamente, já que a Vany nos avisou que não tinha ninguém por ali.
O lugar estava uma bagunça. Com certeza não éramos os primeiros a visitar o mercado, e provavelmente não seríamos os últimos. Muitas prateleiras haviam sido reviradas, e a maioria das facas e afins havia sido levada. Mas algumas outras utilidades foram esquecidas. Começamos a catar o que a gente achava que tava bom. A menina, alegre, ia pedindo coisas e surpreendia-se cada vez que pegávamos o que ela queria: não era assim que as coisas funcionavam antes. Podia-se ver o brilho naqueles olhinhos azulados enquanto nós estendíamos a mão para pegar uma caixa de suco ou um pacote de bolachas. Eu, cauteloso, comecei:
-Olha Marina, a gente tá pegando essas coisas, mãs não temos como saber se elas ainda tão boas. Se elas tiverem estragadas, pode ser que...
Eu parei de falar quando percebi que as duas tinham parado. A seção de brinquedos se estendia à nossa frente, revirada. Nem um único brinquedo havia sido levado de lá, e, no entanto, todos estavam jogados no chão, ou quebrados. Eu percebi que a garota estava esperando encontrar o lugar intacto. Eu vi os olhinhos dela se encherem de água enquanto as suas expectativas foram quebradas pela dura realidade. Ela estava com fome, cansada, machucada, mas era uma criança. E era isso que me revoltava. Não pelo fato de ser inocente e indefesa. Mas porque a porra da invasão ia tirar a infância dela. Mesmo que ela sobrevivesse a isso tudo, ainda ia ter que fazer terapia lá fora, ainda ia ter traumas pro resto da vida. Não sei se ia se encaixar de novo. E eram os mesmos medos que eu tinha pra mim mesmo. Será que as coisas iam ser simples quando tudo acabasse? Será que eu ia conseguir me acostumar à vida normal de novo? Será que eu ia conseguir fazer novos amigos? Como seria a minha relação com as pessoas que não passaram por tudo isso? E isso tudo considerando que eu tinha idade o suficiente pra entender tudo o que estava acontecendo. Agora, imagine se eu tivesse quatro anos durante a invasão. Ia ser muito pior. Merda. Malditos zumbis. Eu tinha me acostumado com eles, a raiva inicial tinha passado. Eu tinha me deixado acomodar. Isso não podia acontecer de novo.
Marina caminhou pelos brinquedos e vasculhou desesperadamente, mas não havia nada de funcional por ali. Então, com uma cara de tristeza, ela olhou para nós e eu previ o que ia acontecer. A cara dela começou a se contorcer e logo ela estava chorando, alto. Eu e a Vany tivemos a mesma reação ao mesmo tempo, correndo de encontro a ela e envolvendo-a num abraço a três. Não dissemos nada, deixamos que ela chorasse, mas também fizemos ela sentir nossa presença.
Foi só bastante tempo depois; andando de volta para a casa do Ricardo, cheios de roupas e comida, além de um martelo de amaciar carne e um martelo comum; que ela voltou a se animar, provavelmente empolgada com a expectativa da refeição. Infelizmente, nós não podíamos deixar ela ficar falando, por sempre tentarmos evitar zumbis. Por isso, tivemos que dar uns cortes legais nela, mas isso não a afetou. Ela ficou quieta, mas não ficou menos animada. A gente só se desanimou quando chegou na casa de Ricardo e descobrimos a porta aberta e a casa, vazia. Ou melhor, vazia não. No corredor principal, o corpo de Ricardo jazia, um tiro na garganta e uma poça de sangue ao redor de sua cabeça.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Capítulo 32- Contra Tudo e Contra Todos

Eu sempre gostei de crianças. E eu sempre tive facilidade em lidar com elas. Quando eu ainda vivia minha vida normal de adolescente, eu lembro que às vezes eu ia ajudar minha mãe no trabalho dela. Minha mãe era dona de uma "brinquedoteca", que ficava na mesma escola que eu estudava. Um lugar onde os pais deixam os filhos quando sabem que vão se atrasar para buscá-los, onde as crianças brincam e jogam jogos e tal. E eu lembro que quando eu ia lá, elas ficavam malucas! Brincávamos de pega-pega, jogávamos jogos de tabuleiro, teve uma vez que eu até apresentei uma peça de teatro pra elas. E elas, de olhos arregalados, por ter um "adulto" para brincar com elas. Mas eu não precisei de minha habilidade para convencer a garota (eu ainda não sabia o nome dela) a se esconder. No momento em que a porta começou a tremer, eu olhei para ela e falei "Se esconda! Rápido!", no que ela disparou e sumiu, nem dando tempo para eu ver aonde ela iria se esconder. Peguei a perna da mesa, caída no chão, e andei lentamente até a porta. Abri a porta com uma mão, de uma vez, e um zumbi pulou em cima de mim, mas eu, preparado, pulei para trás, deixando ele caído no chão. Em pouco tempo, uma poça de sangue se espalhava pelo carpete lilás, e um cadáver já sem vida descansava no chão. Eu percebi que mais um punhado de zumbis lutava para subir as escadas, tropecando a cada degrau. Não iria demorar para que eles chegassem ao segundo andar. "Merda!" eu pensei, procurando, desesperado, uma rota de fuga. Eu olhei pela janela, vendo a altura. O que eu não lembrava é que a janela ficava no telhado, graças a Deus. Sorri e me virei para o quarto novamente, dizendo pra ela sair. Um segundo depois, me arrependi de ter feito isso. Tinha um cadáver com uma poça de sangue ao lado da porta e eu, por estar acostumado a ignorar esse tipo de coisa, me esqueci dele. No momento em que a porta do armário se abriu, eu corri e peguei ela no colo, dizendo:
-Não olhe para o resto do quarto, fica de olho fechado, tá bom?!

Exatamente da maneira que eu achei que ela iria agir, ela olhou para o resto do quarto, enquanto eu lutava para abrir a janela com uma mão ao mesmo tempo em que tentava bloquear a visão dela do resto do quarto com o meu corpo. Eu falei, meio bravo:
-Pára de olhar!
Ela se assustou e eu me desculpei:
-Olha, desculpa, é que nós temos que sair rápido. Você tem que confiar em mim, olha pra mim, você não vai querer ver o que tem no resto do quarto, fica olhando pra mim.

Ela assentiu com a cabeça, meio chorando e ficou olhando pra mim. Eu abri a janela e falei:
-Isso, continua olhando pra mim.

Ela começou a desviar o olhar para o lado e, enquanto eu abraçava ela para sair pela janela em segurança, mas então eu falei:
-Não olhe pro seu quarto, fica olhando pra mim! Vai dar tudo certo, você vai ver!

Eu saí pela janela e fiquei de pé no telhado, abraçando ela. Olhei para baixo, para ver onde estava pisando e acabei vendo o chão lá embaixo. Meu medo de altura voltou. Tinha adquirido aquilo desde que caíra de uma árvore e quebrara os dois braços, muito antes da invasão. Me senti meio tonto e me encostei na parede. Péssima ideia. Um zumbi; que já havia chegado no segundo andar, atravessado o quarto e andado até a janela; estendeu a mão e segurou meu ombro, me puxando pela camiseta. Eu estava segurando uma criança de quatro anos com os dois braços e me dei conta de que havia esquecido a minha arma dentro do quarto. Entrei em pânico, me sacudindo e puxando o braço para fora, tentando fazer o zumbi bater na parede pelo lado de dentro. Ele bateu e me soltou. Eu fui lançado para frente, me desequilibrando na beirada do telhado. Senti meu peso ir para frente, tentando, desesperadamente, me jogar para trás, o que era muito difícil carregando a garotinha no colo. Eu caí, sentindo o ar se esvair dos meus pulmões, de medo. Eu ia esmagar a garota. Num impulso, joguei ela para longe, ouvindo seu choro enquanto a o chão se aproximava e eu ouvia o barulho de dois corpos batendo na grama. Ainda bem que eu não desmaiei naquela hora.
Alguns zumbis circulavam aleatóriamente pelo quintal, a grade da entrada entortada. Os zumbis que eu havia trazido para lá deviam ter sobrecarregado a grade de peso: não eram poucos. Eu levantei, meio tonto, batendo a cabeça em um zumbi enquanto o fazia. Caí para trás e senti a pancada. Mas precisava me levantar. A garota estava em perigo. Eu ouvia outros desmortos se aproximarem, enquanto o que estava à minha frente se impulsionou para minha direção. Rolando para o lado, deixei ele cair no chão, me levantando logo em seguida. Olhei em volta e vi a garotinha berrando de dor. Claro que ela não estava pronta para uma queda dessas. Vários zumbis começavam a se aglomerar ao redor dela e eu comecei a me desesperar. Num surto repentino de instinto paterno, adrenalina sobrecarregou meu sangue. Nem sei direito como fiz o que fiz. Sei que tuco ficou meio borrado e a única coisa que me importava naquela hora era a menina. Corri até ela, derrubando zumbis com empurrões, jogando eles para os lados com uma facilidade enorme. Por trás dela, um morto-vivo se aproximava, babando seu próprio sangue. Eu corri ainda mais rápido, fumegando de raiva e, num salto monstruoso, estendi uma das minhas pernas para frente, acertando a testa do zumbi, que voou para trás por um metro, enquanto eu caía, em pé, uns centímetros à frente da menina. Peguei ela no colo novamente e, correndo, atravessei a brecha na grade, tentando fugir o mais rápido possível daquele inferno que havia se tornado a tal casa.

quarta-feira, 30 de junho de 2010

Capítulo 31- Negociação

No mesmo exato momento em que me viu, começou a chorar. Eu segurei ela e ela começou a espernear, chutando para os lados, tentando escapar. Eu abracei ela com força e murmurei alguma coisa como "Calma, eu não vou te machucar". O fato de uma criança estar sozinha numa casa rodeado por malditos zumbis no meio de uma cidade infestada e deserta me atingiu como um soco e, enquanto eu tentava acalmá-la, tentava, por dentro, me acalmar também. Conforme ela parava de espernear e começava a se confortar em meu ombro, deixando todo o seu medo se esvair em lágrimas para (provavelmente) a primeira pessoa de verdade que ela via desde o começo da invasão, eu começava a me preocupar mais e a sentir meu estômago afundar pensando nas implicações que minha atitude traria. Eu não podia deixá-la ali! O plano teria que mudar, teríamos mais uma boca para alimentar. Quem sabe seria melhor abortarmos toda a missão. Não, a Vany já tava dentro do Walmart, provavelmente esperando por mim. Como é que ia ser? "Oi Vany, tudo bem? Eu despistei os zumbis, mas achei isso aqui no lixo *aponta a garota* e ela não parava de me seguir onde quer que eu fosse. Tentei despistar ela também mas não deu certo. Tentei até jogar ela nos zumbis, mas ela voltou." Eu quase ri. Precisava parar com essa mania de fazer piada em hora séria. E isso era sério, muito sério. Eu não podia tomar essa decisão sozinho, mas também não podia abandonar ela de novo. Claro! A não ser que os pais dela ou sei lá tivessem saído ou algo assim. Esperançoso, olhei fundo nos olhos dela e perguntei:
"Onde é que estão seus pais?"

Ela olhou para mim meio fungando e disse:
-Mamãe e papai foram embora quando os homens do exército vieram.- pausou um pouco e olhou para as mãos, talvez pensando se devia me contar mais. Continuou a falar sem nem levantar o olhar- Eles falaram pra eu me esconder bem que tudo ia dar certo e que Papai do Céu ia me proteger e eu fiquei com medo do escuro de dentro do baú que eu tinha me escondido e aí eu saí.

Quando ela terminou de falar, eu comecei de novo:
-O que que você têm comido?

Ela falou baixinho:
- Leite e bicoito

Ela não pronunciou o "S". Meu Deus, ela era muito pequena!
-Quanto anos você tem?
Eu perguntei.

Ela pensou um pouco e me estendeu quatro dedinhos magrelos. Eu arregalei os olhos, então balancei a cabeça. Eu olhei pra ela e falei:
-Você tá com fome né? Olha só. Vamos fazer o seguinte. Eu vou te levar pra minha casa e...

Ela me interrompeu, gritando:
-Não! Mamãe disse pra eu não confiar em estranhos! Você pode ser mau!

Eu sorri e disse:
-Tem razão, sua mãe tá certa. Você não pode mesmo confiar em gente que não conhece. Mas olha só, você tá com fome, né? Vamos fazer um combinado? Eu vou ajudar você a achar comida e vou preparar pra você. Só isso. Se você não gostar da comida, eu te deixo aqui de novo pros seus pais virem te buscar. Mas, se você gostar, você fica comigo e a gente procura seus pais juntos e eu te prometo que a gente acha eles. - Enquanto eu falava, os olhos dela se arregalavam de esperança. Estendi a mão e disse:
-Feito?

Ela assentiu com a cabeça, animada. Afinal, de um jeito ou de outro, ela ia ganhar uma refeição grátis.
-Ok, mas pra isso nós vamos ali pro mercado ali do lado e eu deixo você escolher o que quiser de lá.

Ela sorriu, meio incrédula de que poderia pegar o que quisesse. Eu repeti, pra reafirmar:
-Qualquer coisa.

Eu levantei e estendi a mão pra ela, mas, claro, as coisas estavam indo bem demais. Não, eu nunca podia ficar feliz por muito tempo. É pecado. É crime. Por isso que, quando eu estendi a mão pra ela pra ajudá-la a levantar, eu ouvi o som de alguém espancando a porta. Não eram sons de alguém batendo à porta, mas de alguém lançando seu corpo todo ao encontro da porta. Eu olhei pela janela, apesar de nem precisar fazer isso pra saber exatamente o que estava acontecendo. Os zumbis tinham invadido a casa.

terça-feira, 29 de junho de 2010

OFF- Retorno

Galera, depois de um tempo sem nenhum acesso à internet, eu volto à produção do Cheiro de Podridão. Estamos mais ou menos no meio da história, o que me desanima um pouco pois ainda há um longo caminho a ser percorrido. Mas é isso aí. Erguer a cabeça e continuar. Acho que hoje ainda saem dois capítulos mais tarde. Abracos

Hugo Mendes de Oliveira